sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Terra em Transe (Filme em Forma de Poesia)

Não anuncio cantos de paz
nem me interessam as flores do estilo
como por dia mil notícias amargas
que definem o mundo em que vivo.

Mar bravio que me envolve neste doce continente...
posso morder a raiz das canas, a folha do fumo,
posso beijar os deuses.
O milagre da minha pele morena-índia
a este esquecimento posso doar minha triste voz latina
mais triste que revolta, muito mais...
Vomito na calle o ácido dólar
avançando nas praças entre niños súcios
Con sus ojos de pájaros ciegos.
Vejo que de sangue se desenha o Atlântico
sob uma constante ameaça de metais a jato.
Guerras e guerras nos países exteriores.
Posso acrescentar que na lua um astronauta se deu por achado.
Todas as piadas são possíveis na tragédia de cada dia
eu, por exemplo, me dou ao vão exercício da poesia.


Não é mais possível esta festa de medalhas
este feliz aparato de glórias
esta esperança dourada nos planaltos
não, não é mais possível esta marcha de bandeiras
com Guerra e Cristo na mesma posição
assim não é possível
a impotência da fé, a ingenuidade da fé.


Me causam os crepúsculos
a mesma dor da adolescência
devolvo tranqüilo à paisagem
os vômitos da experiência.


Quando a beleza é superada pela realidade
quando perdemos nossa pureza nestes jardins de males tropicais
quando no meio de tantos anêmicos respiramos
o mesmo bafo de vermes em tantos poros animais
ou quando fugimos das ruas e dentro da nossa casa
a miséria nos acompanha em suas coisas mais fatais
como a comida, o livro, o disco, a roupa, o prato e a pele
o fígado, de raiva, arrebentando a garganta em pânico
e um esquecimento de nós inexplicável
sentimos finalmente que a morte aqui converge
mesmo como forma de vida, agressiva.


Qual o sentido de coerência?
Dizem que é prudente
observar a História
sem sofrer
até que um dia, pela consciência,
a massa tome o poder.
Ando pelas ruas e vejo o povo
magro, apático, abatido
este povo não pode
acreditar em nenhum partido
este povo alquebrado
cujo sangue sem vigor
este povo precisa da morte
mais do que se possa supor:
o sangue que estimula no irmão a dor
o sentimento do nada que gera o amor
a morte como fé, não como temor.


Vejo campos de agonia
vejo mares do não
na ponta da minha espada
trago os restos da paixão
que herdei naquelas guerras
umas de mais, outras de menos
testemunhas enclausuradas
Do sangue que nos sustenta
a morte nos construindo,
ruindo, devorando.
convivemos com a morte
Dentro de nós a morte se converte
em tempo diário, em derrota
do quanto empregamos
ao passo que vamos
recuamos

Ah, é um terrível tempo este que não podemos mais suportar
que não se pode mais viver na farsa de um sistema
que aumenta nossos preços, bebe o sumo de nosso sangue
destila a nossa paciência na carne de nossos fígados
e somos infinita, eternamente Prometeu dilacerado
e somos infinita, eternamente filhos do medo da sangria
no corpo de nosso irmão
e não assumimos nossa violência, não assumimos
as nossas idéias com ódio dos bárbaros, adormecidos que somos
Não assumimos o nosso passado
todo um raquítico passado de preguiça e de preços
numa paisagem de tanto sol sobre almas indolentes
estes indolentes raças da servidão a deus e aos senhores
uma passiva fraqueza típica dos indolentes
ah não é possível acreditar que tudo isto seja verdade
até quando suportaremos, até quando além da fé e da esperança?
Suportaremos até quando além da paciência e do amor?
Suportaremos até quando além da inconsciência do medo,
além da nossa infância e da nossa adolescência?


Bibliografia:

http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/BaleianaRede/Edicao04/poeta.pdf



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