quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Carlos Nelson Coutinho arruinou a esquerda brasileira


 Artigo meu no blog do Icaro:

http://republicasocialista.blogspot.com.br/2012/09/democracia-popular-x-democracia-como.html

Democracia Popular x Democracia como Valor Universal


Democracia popular x Democracia como valor universal ou: como Carlos Nelson Coutinho arruinou a esquerda brasileira

 

Por: Lúcio Jr.[1]

 

Escrevo esse artigo mais como militante do que como artigo científico. É mais um artigo de combate, dirigido contra a enorme moda do marxismo gramsciano no Brasil, uma verdadeira “Gramsci-mania”.

Os conceitos de Gramsci hoje são a forma por excelência com que o revisionismo anula o marxismo-leninismo no Brasil e precisam urgentemente ser combatidos e contestados. O conceito de bloco histórico desmantela a idéia do Partido de Vanguarda, a criação de uma hegemonia fornece argumentos para a falácia da revolução socialista pela via parlamentar, a divisão entre marxismo ocidental e oriental, já exposta pelo esquerdista Pannekoek nos anos 20, serve para melhor desvalorizar a experiência russa como modelo, descartando Lênin, que só seria útil para a Rússia e suas particularidades. Na prática, esquerdistas como Pannekoek, ao deixar de lado o norte que é a teoria de Lênin, oscilam entre a revolução de qualquer jeito agora e o derrotismo profundo, quando não, passam para o lado da reação, em geral a troco de remuneração.

Quando lançou Democracia como Valor Universal, Carlos Nelson Coutinho, na realidade estava conclamando a esquerda brasileira para deixar de lado a perspectiva revolucionária e aderir ao reformismo, a ocupar cargos na “porosa” máquina estatal, nas universidades, ONGs, prefeituras, no que foi extremamente bem sucedido. Mas, Coutinho precisava ir ao baile da esquerda vender seu peixe empesteado com um disfarce elegante e democrático, acima de qualquer suspeita. Ele vai achar o disfarce perfeito no Gramsci dos anos 30, quando Gramsci produziu suas teorias aparentemente de acordo com a frente popular e a aliança de todos contra o fascismo, o Gramsci que vivia encarcerado e foi fiel ao partido comunista até o fim. A duplicidade política de Gramsci lhe cai como uma luva. É justamente dessas posições ambivalentes que ele precisa. Para poder abandonar Lênin com alguma credibilidade, Coutinho não recorre ao costumeiro e sórdido Trotsky. Trazer à baila textos de Trotsky é trazer ao centro da cena o pensamento de Stálin, uma vez que derrotar Stálin é a sua grande obsessão, perseguida com uma nota histérica, em boa parte dos textos de Trotsky. A prática esquerdista dos trotskistas obviamente é mais um elemento para que Coutinho decida se afastar deles. Gramsci vai lhe dar uma máscara extremamente respeitável.

A explicação para a não-ocorrência da revolução no Ocidente que Gramsci encontra é falsa. Ele imagina que, mesmo se conquistarmos o Estado, a sociedade civil resistirá ao socialismo, então é preciso conquistar primeiro essa tal “sociedade civil”, conquistar cargos nos parlamentos, universidades, etc. Ora, a tal sociedade civil não passa de um lugar onde interesses particulares contraditórios disputam: é o lobby dos evangélicos contra a comunidade LGBT, etc.

A explicação para o fracasso da revolução no Ocidente já está em O Imperialismo, de Lênin, que o invejoso e tolo Gramsci teima em esquecer: a transição do capitalismo da livre concorrência para os monopólios fez com que surgissem setores privilegiados do proletariado, “aristocracias do proletariado”. Esses setores são a perdição dos trabalhadores! Corrompidos pelos sentimentos nacionalistas e pelos ganhos com a colonização e pilhagem dos povos coloniais e dependentes, esses setores passam ativamente a representar o interesse do imperialismo junto ao proletariado, sabotando e anulando suas lutas.

No Brasil, o ABC paulista e o PT são um bom exemplo dessa traição. O PT nasce num setor operário conciliador com o imperialismo americano e alia-se à pequena burguesia radicalizada. Com a vitória do imperialismo na Guerra Fria, deixam de lado a roupagem socialista e social-democrata e tornam-se neoliberais entusiasmados, embora prossigam, como o professor Jarbas Guimarães da UFMG, papagaiando incansavelmente o socialismo democrático e gerenciando um governo que privatiza aeroportos.

O que Carlos Nelson Coutinho fez, em seu, hoje clássico; Democracia como Valor Universal, foi praticamente uma reedição, com nova e bela roupagem, das teses revisionistas que estavam causando a decadência do socialismo na União Soviética a partir da subida de Kruschev em 1956:

1) Coutinho acredita que é possível chegar ao poder sem destruir o estado burguês, pela via parlamentar. Essa é uma das teses kruschevistas clássicas. Isso refuta Lênin. Lênin é bem claro a respeito disso em O Estado e a Revolução, não é uma metáfora, como escreve Coutinho. Isso de “é uma metáfora” é um truque típico desse grande enganador, desse execrável charlatão acadêmico que é o Carlos Nelson Coutinho.

2) Coutinho também propõe que a luta de classes não se agrava no socialismo. Um hit kruschevista, feito para deixar os comunistas serem pegos distraídos por todo tipo de reacionário. É evidente que essa luta se agrava! Imaginemos um empresário que passou a vida toda gozando de ócio e privilégios e passa a ter, com a estatização, de trabalhar como todos os outros. Pode-se supor que essa pessoa não tentaria de todas as formas reaver a sua propriedade, a sua situação anterior? Se hoje vemos que madeireiros são capazes de matar para defender seu direito de extrair madeira ilegal, o que seriam capazes de fazer sem a empresa? Respondo: sabotar, aliar-se a serviços secretos estrangeiros, organizar grupos armados para lutar contra o Estado socialista. Justamente o que ocorreu nos anos 30 com o grupo zinovievista-trotskista. Reprimir e julgar esses traidores é considerado abominação, embora até mesmo a Constituição brasileira preveja que, em caso de guerra, é prevista a pena de morte para sabotadores, traidores e espiões.

3) Coutinho escreve – nesse artigo que deu origem ao PSOL – sobre as maravilhas da “Autogestão”. Na Iugoslávia de Tito, essa era a senha para “restauração do capitalismo”.  Não por acaso, Lukács também fala em Autogestão, e, em 1956, deixou cair a máscara e propôs a restauração do capitalismo abertamente. A lorota da Autogestão é também um disfarce perfeito para o revisionismo, que assim posa de muito democrático, embora ele seja burocrático e autoritário. Coutinho chega a especular que as Comunidades Eclesiais de Base seriam uma forma de democracia direta. Ora, as CEBs são somente organizações de base da Igreja Católica, aliás, hoje totalmente desarticuladas em prol da organização a partir da mídia monopolista, que é a opção desastrosa da Igreja Católica hoje em dia. Coutinho não quer fazer uma avaliação da realidade brasileira tendo em vista a revolução. É bem outro o seu intento. Ele quer vender uma mercadoria que traz a peste para a esquerda, mas ele, pessoalmente, lucrará com destaque e vantagens pessoais. É o festejado “gramsciano”.

A tese da democracia como valor universal de Carlos Nelson Coutinho é uma jóia de disfarce, matreirice e mentira, foi perfeita sob medida para a transição conservadora brasileira, por isso foi tão propagandeada por setores reacionários. Serve maravilhosamente a eles! Coutinho faz com que a ditadura da classe burguesa, que permanece impondo o seu totalitarismo na democracia capitalista, fique totalmente invisível. Para a burguesia, isso é maravilhoso, é fantástico.

Outra falácia que tem de ser denunciada é a posição equivocada de Coutinho sobre a contrarrevolução de 64, um dos regimes mais selvagens do pós Segunda Guerra, comparável ao nazismo de Hitler. Ela passa a ser considerada, com conceitos tirados do buquê gramsciano, exemplo de “revolução pelo alto”, “revolução passiva”, “pela via prussiana”. O sentido principal de 64 foi arrasar o processo de descolonização que vivia o país; a longo prazo, o sucesso foi total e completo. Exatamente o contrário do que fez Bismarck, guerreando contra três países para acabar com a dominação externa. Coutinho literalmente chamou “urubu” de “meu loiro” nessa análise. Será ele inocente? Temo que não! Ele é reacionário mal intencionado mesmo!

A verdadeira cerejinha do bolo foi mesmo quando encontrei, nas notas do artigo de Carlos Nelson Coutinho sobre Democracia como Valor Universal, um elogio discreto às idéias de Fernando Henrique Cardoso, que iriam “muito além do liberalismo”! Fernando Henrique e seu grupo são traidores profissionais da esquerda, eles e o seu gancho do pentágono do Brasil, que é o CEBRAP, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, uma estrutura elaborada na Guerra Fria para conquistar os intelectuais brasileiros e que teve para sua instalação 18 mil dólares da Fundação Ford. Nos anos 50, Fernando Henrique, Octavio Ianni e a trupe revisionista (que é a ligação da corja da USP com José Paulo Netto e a Carlos Nelson Coutinho) organizaram, na USP, um festivo e badalativo seminário de O Capital para poderem disseminar o revisionismo e foram extraordinariamente bem sucedidos. A broca penetrou no Partido Comunista Brasileiro, nos movimentos sociais e se alastrou feito uma praga através das universidades, uma vez que a USP é a grande disseminadora da modernidade intelectual para o Brasil. Eles plantaram a sementinha no lugar certo nos anos 50 e, nos anos 90, colheram com sofreguidão o fruto sujo de sangue da ruína da esquerda e da recolonização do Brasil. Nada como ler O Capital para ganhar dinheiro!!!

Para não dizer que não concordo com nada do que Coutinho diz no já canônico artigo Democracia como Valor Universal, eu digo que concordo que é preciso participar de eleições e ampliar essa democracia que está aí. Mas sem esquecer de dizer que através dela a burguesia está buscando o domínio total da sociedade, ou seja, a democracia capitalista é a ditadura da burguesia disfarçada! Ela espiona a esquerda, monitora os movimentos sociais, obtém o predomínio através da indústria cultural, é uma fachada. Até mesmo o Iraque e o Afeganistão têm um arremedo de democracia capitalista, embora sejam países ocupados militarmente pelo imperialismo.

A ditadura da burguesia disfarçada funciona assim: se tentarmos modificá-la por dentro, se avançarmos em conquistar os espaços nesse Estado para revolucioná-lo, essa estrutura reagirá por vias legais e ilegais. Uma das possibilidades é que as milícias compostas por ex-policiais que existem no Rio e que hoje matam e aterrorizam a população se voltarão contra os líderes da esquerda, formando grupos de paramilitares que podem dar origem a partidos de extrema-direita.

O debate sobre democracia e socialismo no Brasil parece encerrado, com a vitória absoluta do democrata pequeno-burguês de fraseologia falsamente socialista Carlos Nelson Coutinho e seus inúmeros seguidores, que arruínam praticamente todo o marxismo no Brasil hoje. O sucesso deles é tanto que agora há inclusive um partido inspirado em suas idéias: o Partido Socialismo e Liberdade. O futuro do PSOL, por tudo o que está anunciado, é ser o PT do futuro: assumir cargos na máquina estatal e discursar a favor do socialismo com liberdade. Agir com autoritarismo e tomar atitudes burocráticas, não debater nada internamente, mas sempre discursar contra o centralismo democrático, contra o “stalinismo”. O melhor disfarce do burocrata autoritário é denunciar o suposto autoritarismo e burocratismo de Stálin, Mao e Pol Pot, compilando calúnias e difamações estúpidas, fazendo coro com os anticomunistas, etc. Oxalá esse artigo consiga fazer algo para reverter essa patranha!

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