domingo, 4 de março de 2012

Quem Kant seus males espante

Kant escreveu esses textos (Os Prolegômenos) para explicar sua filosofia, uma vez que sofreu duras críticas. Para Kant, a questão é se a metafísica é possível, continuariam sendo possíveis determinados juízos, como por exemplo, os juízos sobre a experiência antes da experiência (juízos sintéticos a priori). Os juízos analíticos são os juízos que não se fundam sobre a experiência. O senso comum consegue fazer esse tipo de juízo sobre a experiência, ou seja, responde que sim. Mas mesmo assim Kant prossegue nessa questão. Mas por que o senso comum pode fazer um juízo sobre a experiência sem ter a experiência? Por que a própria “faculdade de julgar”, que Kant pensa que já é dada, é FORMADA, ela mesma, tanto por uma tendência à linguagem que temos quando nascemos quanto pela experiência de socializar entre seres humanos. Alguém isolado do convívio social desde a infância, tal como o Kaspar Hauser do filme de Herzog, não tem faculdade de julgar, ela não é dada.

 Por que? Porque, embora ela se manifeste se a pessoa for organicamente normal, ela depende da interação social. Para Hume, as normas com que lida a moral não podem simplesmente ser deduzidas dos fatos. Exemplo: o hotel localiza de frente para o mar. Logo, o hotel é bom para quem não gosta de mar, o hotel não é bom. Então, existe um salto lógico. Kant busca uma fundamentação dos valores que não se fundamente nos fatos objetivos, ou seja, ele sai em busca de outro fundamento. A solução de Kant para combater o subjetivismo em ética é que o dever-ser está na consciência e não nos fatos. O dever, então, é um fato da razão. Para Kant, a metafísica é possível, pode ser que existam juízos sintéticos a priori, ou seja, juízos sobre a experiência sem a experiência. Por exemplo: não foi possível comprovar a presença de Deus através dos sentidos e da experiência. A conexão de causa e efeito não poderia ser possível a partir dos conceitos e implica em necessidade. O conceito de tal conexão não pode ter sido algo que passou pela experiência.

 Para Hume, a razão não tem faculdade de pensar em tais conexões e é nessa impossibilidade que ele está pensando. Kant está escrevendo contra Hume: a razão é uma faculdade. Exemplo de um juízo a priori e uma proposição analítica: “o ouro é um metal amarelo”. Os juízos sintéticos a priori são os que se originam do entendimento puro e da razão pura. Os juízos de experiência são sempre sintéticos. Um juízo analítico não se funda na experiência. Para a fenomenologia, deve-se estudar os fenômenos, ou seja, as representações para Kant e não o “noumenon”, que seriam as coisas em si, as tais mônadas entre as quais não haveria comunicação e, para resolver esse problema com relação às subjetividades, inventou-se a razão comunicativa (Habermas). Para ele, existe o mundo exterior, que pode ser conhecido, mas a consciência e o entendimento só têm acesso a uma aparência do mundo e a coisa em si permanece, portanto, desconhecida. O que faço objeção é ao seguinte ponto: essa aparência do mundo deixaria a descoberto o fato de que não conhecemos a coisa em si, que permaneceria desconhecida e misteriosa, fora a questão seguinte: qual a relação entre a coisa em si e a representação? A ciência não poderia conhecer leis sobre as coisas, estaria fazendo leis sobre representações, somente? Existiriam leis para as coisas em si e leis para as representações? A ciência teria acesso somente à aparência observável? Então, como explicar os atuais avanços da ciência, tais como a ruptura do átomo, a clonagem, todos que fazem supor que a ciência conhece as coisas a fundo e não só suas aparências? Kant escreve para resolver como é possível o juízo sobre a experiência sem experiência. Se ele for possível, a metafísica é possível. De certa forma, alguns problemas de ordem metafísica irão decorrer da solução kantiana, que é o chamado idealismo transcendental ou idealismo crítico. Ele não nega que exista um ser fora de nós, mas nós só temos acesso a representações do mundo e não às coisas em si. Já o idealismo tradicional não reconheceria nenhum ser que não o pensamento.

 Para Kant, existem coisas fora de nós, fora de nossos sentidos, mas essas coisas são objetos de nossos sentidos, existentes fora de nós, só que nada sabemos do que elas possam ser em si mesmas, mas conhecemos apenas os seus fenômenos, isto é, as representações é que produzem o que vemos ao afetarem nossos sentidos. O objeto nos é desconhecido, mas nossa sensibilidade conhece apenas o fenômeno, que nem por isso é menos real, no entender dele. Mas aí surge o problema da diferença entre as representações e as coisas mesmas. Se as propriedades das coisas mesmas fossem diferentes de suas representações, ou seja, se o númeno fossem totalmente diferente do fenômeno, então a ciência não seria possível. Mas Kant afirma que as coisas têm muitos de seus predicados em comum com suas representações, o que torna sua doutrina compatível com a ciência. No entanto, como eu tenho uma representação e você outra, sendo nossas consciências também coisas em si, estamos compartilhando representações e entre as representações existiram falhas, pois não são as coisas em si. Cada um teria a sua representação, o que seria uma filosofia que, segundo Politzer, pode ser usada para confundir as massas.

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