terça-feira, 9 de agosto de 2011

QUEBRANTOS, RELANCES E ABISMOS VISTOS À LUZ: notas sobre a poesia de Wilson Nanini






Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

RESUMO


Esse artigo busca analisar a poesia de Wilson Nanini. Ao abordar um poeta ainda inédito no formato livro, editado apenas no hipertexto, o artigo assume a tarefa de apresentar esse autor, para em seguida focalizar a análise nos recursos poéticos por ele utilizados, ainda que de forma breve, buscando nem tanto um estudo aprofundado quanto uma apresentação crítica dessa obra nascente. Esse artigo representa um estudo pioneiro dos poemas desse talentoso artista, aguardando tanto sua publicação em livro quanto a edição em texto de seus poemas, visando ainda maiores estudos no futuro. Com os estudos sobre sua poesia ainda incipientes, mas já dando entrevistas e sendo objeto de artigos de outros poetas, Nanini atualmente publica seus poemas pela web através de revistas literárias e blogs.


Palavras-chave: poesia, Wilson Nanini, hipertexto, crítica literária, blogs, Botelhos


1 INTRODUÇÃO


Desde que lançou seu blog na rede mundial de computadores, em 2007, o poeta Wilson Torres Nanini vem chamando a atenção de diversas pessoas, entre elas, poetas conceituados e de renome e que exploram este moderno mundo das letras.
Intitulando-se um poeta em fase de berçário, Wilson Nanini busca nos versos de “Quebrantos, relances e abismos ao relento”, seu primeiro livro de poemas (e que permanece inédito em papel), uma poética que oscila entre o sagrado e o profano. Ainda pouco conhecido, o poeta mesmo se intitula “um poeta em fase de berçário”. No entanto, ele não é poeta aprendiz e já se apresentada dotado de maestria no terreno da palavra poética.
Wilson Nanini, nascido em Poços de Caldas, mas criado desde o berço em Botelhos, chegou a cursar Letras na Faculdade de São João da Boa Vista, mas, após fazer um curso para soldado da Polícia Militar, em Lavras, teve que abandonar a faculdade, só voltando para Botelhos em 2007.
E foi em ambiente familiar da pequena cidade de Botelhos, junto de sua mãe e suas tias, todas as professoras, que Wilson Nanini teve seus primeiros contados com a literatura. Livros de fábulas e de histórias cotidianas moldaram sua veia poética. Morando numa cidadezinha de dezesseis mil habitantes, Nanini tem como leitora sua esposa, sempre a primeira leitora crítica de seus poemas. Graças à internet, estabeleceu contato com poetas tais como Cláudio Daniel, Renato Mazzini, José Aloise Bahia e Micheliny Verunschk, por exemplo, cujos contatos foram tão fundamentais para seu aprendizado, tanto quanto seus versos.
No Ginásio, incentivado pelas professoras, Divina Moreira, Silvana Siqueira e Márcia Frazão, Wilson Nanini começou a colocar no papel seus primeiros versos. O poeta narra ter começado fazendo letras de músicas para uma banda, formada por amigos, inspiradas principalmente na poesia de Renato Russo, da Legião Urbana. Assim, fui aperfeiçoando e buscando nas referências nas letras do Renato, como por exemplo, os poetas Arthur Rimbaud e Carlos Drumonnd de Andrade. Em 2000, participou do Concurso de Poesia Falada da cidade de São Paulo, promovido pela Prefeitura e pelo Instituto Mario de Andrade. Ficou em segundo lugar, com a poesia O corpo cervo corpo.
Em 2001, na cidade de Machado participou do Primeiro Concurso Plínio Motta de Contos e Poesias, promovido pela Academia Machadense de Letras, no qual foi premiado com a edição em livro com o conto Farfalhas de coisas ambíguas. No Rio de Janeiro também participou de um concurso de poemas promovido pela Editora Líteres, cujo 20 melhores poemas, incluindo o seu, foi publicado em livro. Segundo Wilson Nanini, todos estes anos de leitura e produção resultou em uma coleção de poemas que já tem um destino certo: o livro “Quebrantos, relances e abismos ao relento”, que mesmo ainda sem data e edição para ser apresentado ao público, traz toda sua verve literária, trazendo a poesia como forma lúdica e de descarrego. Os “quebrantos” estão ligados ao sagrado e ao profano, das rezas, das benzedeiras, dos mal olhados, das curas do corpo e da alma. Relances são as cenas cotidianas, da sua vida como filho, marido, o poeta com o seu olhar mais singular. Os abismos aos relentos trazem toda sua vivência como soldado militar, que faz das letras e formas um ato de purificar a si mesmo.
Entrevistado pelo escritor e poeta Marcelo Novaes, em seu blog, Wilson se define como uma pessoa, até certo ponto, melancólica, nostálgica. Devedor da ancestralidade, da própria e da alheia, detém gosto ao saudosismo, mas apenas pela alegria já vivida. Enquanto policial militar, o poeta lida com a morte alheia e com a possibilidade da própria morte, rotineiramente. Centenas de vezes esteve diante de pessoas com arame farpado e sangue nos olhos. Como se estivesse produzindo artesanalmente um bálsamo, um considerável número de seus poemas foi esboçado de manhã, após noites de intensa labuta de seu ofício profissional. Seus poemas remetem, então, aos poderes curativos e angelicais das palavras desse poeta-guardião.


2 A POESIA ENTRE ABISMOS E QUEBRANTOS


Wilson é um poeta do extravio. Para falar utilizando a conceituação de Ezra Pound, que divide os tipos de poesia em fanopeia, melopeia ou logopeia, pode-se dizer que os poemas de Nanini ficam entre o primado da imagem (“fanopeia”) e do ritmo e da musicalidade (“melopéia”) mais do que o pensamento disposto nos poemas (“logopéia”). Não há tanta intelectualização em seus poemas, há uma entrega aos sentidos e ao mundo como um fenômeno estético. O mundo subjetivo e objetivo, em especial a natureza e esse eu do poeta, derramam-se frequentemente um no outro. Aliás, essa seria a metáfora preferencial do amor em seus poemas. O poeta é como um toureiro que é muito hábil e muito elegante em lidar com os touros, mas detesta a violência e a vulgaridade da tourada:

O Touro

o touro em seu arfar
de provocada fúria
mal sabe do espetáculo
de seu destino de carne crua

o touro,confinado entre touros,
conhece-se e se basta
– embora seu dia fareje
o martelo do abate

máscula fera/bela humilhada pelas
lições da infecção da castração

pelos ferrolhos
(arame farpado e ferro em brasa)

agora, a meio-instante da
perícia do cutelo, o touro
– acaso, com seu berro reza? –
com as narinas dilatadas para
farejar o prazer de outras épocas (NANINI, 2010).

A escrita dele dá a sensação de precisão e de entendimento, embora muitas das imagens sejam enigmáticas, tais como as “facas da sina” (em Espólios de Infância) e os “obstetras de contêineres” (em Interferência Urbana). Por vezes, ele se utiliza de sinestesias tais como “penumbra rosa”, por outras, um simples substantivo adjetivado de forma inusitada: “cerâmica inepta” (ambos em “Desdonzelamento”). Nota-se, então, que há em sua poética uma busca de uma simplicidade que ao mesmo tempo possa ser complexa e não simplória (NANINI, 2010).
A poética de Nanini é a de um poeta do extravio. Ele combina substantivos com adjetivos inusitados de forma a causar estranheza. A escrita dele dá a sensação de precisão e de entendimento, embora muitas das imagens sejam enigmáticas, tais como as “facas da sina” (em Espólios de Infância) e os “obstetras de contêineres” (em Interferência Urbana). Por vezes, ele se utiliza de sinestesias tais como “penumbra rosa”, por outro, um nome adjetivado de forma inusitada: “cerâmica inepta” (ambos em “Desdonzelamento”). Nota-se, então, que há em sua poética uma busca de simplicidade que ao mesmo tempo possa ser complexa e não simplória. Mas qual a natureza dessa complexidade? A essa altura surge-nos a pergunta: Wilson Nanini seria barroco? Se considerarmos as afirmações de Omar Calabrese, sim:

Por ‘barroco’ entenderemos categorizações que ‘excitam’ fortemente a ordenação do sistema e que o desestabilizam em algumas partes, que o submetem a turbulências e flutuações e que o suspendem quanto à resolubilidade dos valores (CALABRESE, 1988, p. 39).

Wilson Nanini “desestabiliza” um modo de ver e sentir o mundo, criando uma obra que, tomada no seu conjunto, propõe uma nova ordenação da sensibilidade, sem deixar de produzir (através dessa nova ordenação) um sentimento de caoticidade (entendendo caoticidade como imprevisibilidade ou ininteligibilidade da informação estética) no momento da fruição dessa obra. Essa caoticidade é provocada justamente pela superposição das informações advindas dos poemas, que se configuram como labirintos de espelhos. Ao tentarmos compreender a lógica de um dos espelhos, o outro espelho modifica e complexifica a informação daquele, e assim ad infinitum (falar na poesia wilsoniana equivale a mergulhar num atordoante labirinto de espelhos). O labirinto, novamente segundo Calabrese, é apenas uma das formas do caos, entendido como complexidade, cuja ordem existe, mas é complicada ou oculta. Essa ordem "oculta" produz a perda do referencial acarretando o que Calabrese chama de "prazer da obnubilação", ou seja, o prazer de ver-se perdido e ser instigado a encontrar o centro do labirinto. O prazer motivado por essa desorientação e pelo "mistério do enigma" parece-nos semelhante ao prazer sentido por nós ao nos defrontarmos com a obra de Wilson Nanini (CALABRESE, 1998, p. 39).
Diante da criação labiríntica do autor de Quebrantos, os pontos de referência turvam-se e ocultam-se, fugindo de nossas mãos qualquer fio de Ariadne e causando em nosso espírito o prazer intelectual de descobrir uma ordem onde aparentemente não existe nenhuma, só caos e mistério. Novamente, seguindo Calabrese, poderíamos dizer que o labirinto wilsoniano cria um "saber aberto", posto que em seus meandros e intersecções podemos sempre descobrir novas ramificações e caminhos para novos e surpreendentes significados, deixando o leitor sempre sujeito ao risco da perda de orientação (CALABRESE, 1998, p. 39).
Para traçar essa simplicidade, os poemas encontram o sagrado no banal e o que há de cru naquilo que há de aparentemente sagrado, como nas freqüentes referências bíblicas e católicas de que se valem seus poemas, apontando, no entanto, para o catolicismo popular, onde há o contato direto com a divindade, deixando de lado intermediários e sacerdotes. A poesia é praticada, por Nanini, como um sacerdócio do extravio, uma “cerâmica das coisas simuladas”, como no poema “Lâmpada” (CALABRESE, 1998, p. 39).
E a poesia de Wilson transmite a impressão de alguém criando esculturas sublimes utilizando somente um barro ao qual ele atribui a leveza do sagrado, tal como nos quadros do artista contemporâneo vietnamita Duy Huynh, que representa um homem de chapéu vestido com formalidade, à la Magritte, mas com um carrossel infantil girando, transbordante, na cabeça. Alguns poemas misturam religiosidade e sensualidade com mitos universais, vendo a eternidade nos objetos e imagens mais transitórios ao mesmo tempo em que reafirmam o prazer dos sentidos como algo profundamente não superficial e sim sagrado (CALABRESE, 1998, p. 39).
Wilson é um poeta “ainda não de todo tocado de espelho e idioma", tateando a imagem-voz poética, ensaiando domar tempestades. Diante da tangibilidade do mal no mundo, o poeta responde que essa presença do mal provoca a poesia, a intima à sobrevivência, ainda que espremida entre uma rotina aterradora e alentos cada vez mais ineficientes (VERUNSCHK, 2010, p. 1).
O pano de fundo dessa poética de quebrantos é a quebra das instituições sociais, à constatação da falência de alicerces, antes imprescindíveis, e à tentativa frustrada de restaurar a espiritualidade religiosa dada à bancarrota, já há algum tempo. E diante desses impasses, o poeta, assim como os demais artistas, assume uma obrigação – quase social – pois testa em si ferramentas de transcendência, um caminho novo que perpasse ciladas, que perfure cegueiras, que dissolva obstáculos. Poesia é a possibilidade que ele tem de tirar o mérito do caos, interagir com as intempéries numa linguagem mágica, mítica, em pé de igualdade. Os poemas de Wilson são atos de solidariedade: só existem porque o poeta quer pôr no mundo o antídoto, a vacina que destilou dentro de si, de que foi a cobaia. Um de seus poemas, por exemplo, trata da alegria de ver uma mulher procurando a sombrinha pela casa. Esse pequeno encontro é algo sublime, é a esperança do encontro na vida, embora haja tanto desencontro no mundo:

Preces de um poeta em fase de berçário
que onde houver fronteira,
eu tenha muita asa!
que Carolina consiga encontrar
sua sombrinha cor-de-rosa
perdida pela casa!
pois, antes, em mim havia
um acúmulo de silêncios,
uma demora profunda
do punhal no peito,
uma dor-dor como a de um
caminhão de crianças
caindo na ribanceira,
mas hoje nada temo:
nem um trem de ferro dentro da insônia
nem um avião dentro da turbulência
embora eu não me veja como
um deus lembrado
das coisas ainda não-inventadas,
vou sendo um poeta impublicável:
à beira de ser tudo,
consigo ser só
quase
– embora, por vezes, feliz
como o primeiro cego
a ouvir gramofone (NANINI, 2010).

Poemas que falam do cotidiano são uma constância inevitável e muito apetecível na poesia de Nanini, cuja poesia tenta se dissociar de um discurso literário rebuscado – e, por vezes, vazio – e da visão caolha de que o poeta é o porta-voz do enlevo. O rumor de um avião captado em meio à insônia, a mulher correndo ao varal para salvar peças-íntimas da chuva, abraços recebidos da avó, sua esposa procurando sua sombrinha cor de rosa, e tantos outros sinais de superfície simples de sua poesia, mas que é, em seu cerne, riquíssima, aceita os oferendas que o mundo acena ao poeta, e elas, depois de deflagradas, passam a habitar nele, num lugar entre pele e alma e, além de lhe fornecerem um bom material poético (CUNHA, 2011, p. 1).
Guimarães Rosa dizia que escrever é um ato de empáfia, enquanto publicar requer humildade. O poeta, matéria escassa, concilia, na alma, "pedra e vidro", silêncio e petardo. Sua poesia se alimenta da sintaxe de riachos, falas feitas de uma mistura de arame farpado, roseiras e poentes, rezas de benzedeira, totens domésticos, gemidos de facas. Pois um poeta é um poeta em qualquer âmbito: a noite o habita. Wilson Nanini é uma pessoa, até certo ponto, melancólica, nostálgica, um devedor da ancestralidade, da própria e da alheia. Detêm um gosto ao saudosismo, mas apenas pela alegria já vivida (VERUNSCHK, 2011, p. 1).
Em termos de afinidades poéticas, demonstra paixão preponderante pela poesia criada por poetas mulheres: Adélia Prado, Orides Fontela e Micheliny Verunschk estão entre os cinco poetas que mais visita. Os outros dois são Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. A mulher católica fervorosa tornou-se, para ele, um par perfeito para o comunista de Itabira. Ele parte de uma premissa familiar católica, já devidamente abandonada, e a poesia de Adélia, repleta de nudez e Bíblia, encontrou nele terreno propício para inspirar-lhe a eclosão de uma nova poética. Quem sabe seja aí, nessa comunhão onde os dois poetam copulam “catecismos e assombros”, esteja seu ponto de contato com Adélia Prado. Ele chega até a dedicar-lhe um poema em homenagem a esse conúbio em verso:

Poema para Adélia Prado

Estrelas!
no pomar celeste da boca conso-
lidá-las
foto-
grafar o avesso
da treva do ventre do ferro do trem de ferro
convertido em sentimento

o hieróglifos
numa brancura fecunda
de constelar escuros,
de transgredir o tempo

mas recito insonte-
mente: besouros são
sementes
de rinocerontes;

o lunático com um guarda-chuva,
a virgem com uma cabaça,
a beata com um calvário
atravessam a nado meu poema

num olor inato interno que mescla
bois borboletas
Deus: todos os
artefatos álacres
de escavar cosméticos
entre distúrbios
que concretos ou telúricos noitinvadem-me às vezes (NANINI, 2010).

Os poemas, mesmo os Poemínimos, possuem um "ritmo de procissão". Lendo-os, não há como não ouvir como que uma sanfona ao fundo, um coro de beatas ou ladainhas, haja ou não andor, ainda que o tema do poema seja uma procissão de insetos em direção a um cadáver. A poesia de Nanini tem como fundo uma musicalidade do interior mineiro: folia de reis, banda de coreto, fanfarra, circo, procissão de santos, desfiles cívicos, sanfonas e violas. Sua poesia é filha de tudo isso: é um circo em plena missa, uma missa em plena orgia, uma orgia em plena ciranda, uma ciranda em plena procissão (VERUNSCHK, 2011, p. 2).
Alguns poemas misturam religiosidade e sensualidade com mitos universais, vendo a eternidade nos objetos e imagens mais transitórios ao mesmo tempo em que reafirmam o prazer dos sentidos como algo profundamente não superficial e sim sagrado. Não há tanta intelectualização em seus poemas, há uma entrega aos sentidos e ao mundo como um fenômeno estético. O mundo subjetivo e objetivo, em especial a natureza e esse eu do poeta, derramam-se frequentemente um no outro. Aliás, essa seria a metáfora preferencial do amor em seus poemas (NOVAES, 2011, p. 2).
A respeito da poesia de Wilson, pode-se dizer que se trata de uma poesia madura, que encontrou sua voz e estilo próprios. Muito embora ele se refira a Michelyni Verschunk e Adélia Prado com admiração, sua lírica é muito própria e independente. Sua poesia tem imagens leves e com colorido. A forma como compõe cuidadosamente seus versos curtos e a separação de sílabas no enjambement é pessoalíssima. É uma poesia que expressa emoções de forma contida e intensamente trabalhada em seu artesanato poético. Ele apresenta preferência por palavras fetiche: “orquídea”, “borboleta”, “rosas”, palavras relativamente comuns em contexto lírico, mas que nas mãos de Wilson adquirem significado bastante diverso em cada poema, significado, aliás, que muitas vezes surpreende pela criatividade e pela associação misteriosa que sugerem. Outro tema que o fascina é o labirinto; sua poesia é, mesmo quando ele faz um poema que é de amor, claramente, é barroca e labiríntica. Muitas vezes, o poeta usa uma combinação hermética das palavras. A poesia de Wilson é bem mais barroca e labiríntica do que cartesiana e seca. O poeta utiliza-se do paradoxo: a febre é normalmente anúncio de uma doença e não pode ser dócil nem partilhada. Nanini utiliza-se de combinações inusitadas entre palavras, da ironia, do contraste e das antíteses (que também fazem lembrar o barroco). A “cópula de catecismos e assombros” também se mostra profícua com Micheliny Verunschk, como nesse poema dedicado a essa última poeta:

Melancolia

luz lâmpada de torre telefônica
– a escureza dissimula o pedestal que a sustenta –
e vermelha verde vermelha amarela
(intermitente farol/sentinela
de pássaros insones/sonâmbulos
de aviões desgovernados/incautos)
paira: pseudo-astro alumbrado

ah meus cantares – policio
cata-ventos pipas em céus de ferrugem
: a alegria, devagar,
acata seus carrascos

e a cidade envolta em
catástrofes sem reparo
: próteses dentárias extraviadas
relógios de pulso abduzidos

eu – poeta (matéria
escassa)? – nasci para
conciliar pedra e vidro

mas percorro uma distância subterrânea
subcutânea
subterfúgica
e o mundo (tudo tudo!) –
esta manhã vai ficando
cada vez mais noite ampla (NANINI, 2010).

O poema acima, em sua primeira linha, apresenta uma sequência sem preocupação gramatical, para enfatizar a urgência: “luz lâmpada de torre telefônica”. A seguir, ele se desenvolve em uma sequência sobre a tristeza solitária de um amanhecer numa cidade sem nome. A frase seguinte intercala-se comentando a escuridão que faz com que a luz pareça estar flutuando. Assim, encontra-se em Melancolia um poema típico da lavra wilsoniana. Entre seus recursos já citados anteriormente, ele experimenta outro: como Drummond, ele aproxima a palavra do próprio signo, que é um sinal de trânsito: “vermelha, verde, vermelha, amarela”. Assim, faz com que o ritmo das palavras imite a mudança de cores no semáforo luminoso, como se as palavras fossem o próprio objeto que elas têm como referente. A frase intercalada, além de introduzir uma quebra no ritmo do poema, introduz um neologismo: “escureza”. A primeira linha relaciona-se com a terceira. As duas frases têm, em comum, o fato de se organizarem mais pela semântica do que por sinais de pontuação. Com esse poema, Nanini demonstra habilidade para, ao mesmo tempo, copular assombros e catecismos, pedra e vidro, o canto para alegrar a cidade e o duro ofício de patrulhá-la. O poeta também policia “pipas e cata-ventos em céus de ferrugem”, num verso que define tanto sua criação quanto, de certa forma, seu diálogo com o diferente (no caso, o feminino) e, de certa forma, também o autor no sentido biográfico (NOVAES, 2011, p.1).



CONCLUSÃO


Os poemas de Nanini estão em constante transformação, ele os trata a poder de faca, a corte impassível. O que se analisou aqui é apenas uma amostra, realizando uma apresentação mais que necessária do poeta na forma de um artigo acadêmico. O blog é um modo fantástico de expor aos olhos alheios o avesso transformado em palavras. E, consequentemente, de aferir sua relevância, diante de observações muito, muito pertinentes. Alguns dos poemas (em especial os da primeira safra) que foram publicados em meu blog já tiveram toda sua estrutura modificada. O poeta acredita em uma obra dada pela vida. Sua poesia nasce da pedra bruta: há poemas que vem trabalhando há anos, e, não raras vezes, pouco após achá-los bem esculpidos, se percebe algum lapso, ele os “despoema”, os dilacera rapidamente.
Wilson Nanini, afinal um poeta de 28 anos, traz em seus poemas uma carga de paixão que é bem a cara da juventude em processo de descoberta – e desilusão – do mundo. Para traçar essa simplicidade, os poemas encontram o banal no sagrado e o que há de cru naquilo que há de aparentemente sagrado, como nas freqüentes referências bíblicas ou católicas de que se valem seus poemas, apontando para o catolicismo popular, onde há o contato direto com a divindade, deixando de lado intermediários e sacerdotes. A poesia é praticada, por Nanini, como um sacerdócio do extravio, uma “cerâmica das coisas simuladas”, como no poema “Lâmpada”. Como no catolicismo popular, é sem cerimônia que Nanini se refere ao sagrado. E sua poesia transmite a impressão de alguém criando esculturas sublimes utilizando somente um barro ao qual ele atribui a leveza do sagrado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. São Paulo, Martins Fontes, 1988.


CUNHA, Pedro. Pensamentos e outras letras. Disponível em: >. Acesso em 17 de junho de 2011.


VERUNSCHK, Micheliny. O cotidiano sagrado da poética de Wilson Nanini. Revista Cronópios. Disponível em: . Acesso em 19 de junho de 2011.

NOVAES, Marcelo. Nota de rodapé. Disponível em: . Acesso em 16 de junho de 2011.

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