quinta-feira, 1 de julho de 2010

Temporal Semáforo

Um conto de Rita Espechit

Ed. Dez Escritos, 1988

Dois somaliuns valem por um valium. Com quantas gamas de Diazepan dorme Alice? Quantos graus de álcool? De fumo? Alice se vestiu de palhaço e foi andando em frente ao pronto-socorro, as lágrimas pintadas molhadas pelas outras. Não falou nada. Alguns colegas de curso comentariam mais tarde que ela foi vista pela cidade, olhando os semáforos mudarem de cor. O mundo resumido em três ordens: vermelho, amarelo e verde.
Pardais assustados nos postes e era de noite. Alice no quarto trancado, nave intergalática, atravessou júpiter, Orion, a Via Látea. Perguntou: como é que se vive mesmo? A gente nasce e depois o que? O disco voador de Alice caiu estapafúrdio num buraco negro do universo, sem combustível.

--Alô, habitantes do lugar nenhum, levem-me a seu líder.

--No lugar nenhum não tem ninguém, dona Alice. Contente-se com vossa Alcíssima sombra.

A missão de paz estava terminada. Foi aí que Alice olhou no espelho pela primeira vez. Sabem o que Alice viu através do espelho? Viu Alice.

--Ah.

Era o inimigo. Esse animal de olhos inchados e rosto vermelho. No dicionário explicava: melancolia era uma tristeza elegante. Desespero, uma tristeza feia. Nunca mais esqueceu.

--Ah. É o inimigo.

Fez no rosto sua expressão mais séria, mais sã. Como se não fizesse a mínima diferença. E antes que algum sentimento alienígena invadisse o espelho, quebrou-o no chão. Sabem a história da cobra de vidro? E da reprodução das amebas? Quem estudou para o vestibular sabe o que são cissiparidades. Foi isso que aconteceu com o rosto de Alice no chão. Quarenta pedaços de Alice, inchados, vermelhos.
Uma das Alices, triangular, foi o “kataná” de Alice. Num harakiri tupinikin. Alice escolheu uma veia grossa da perna e mergulhou fundo Alice pela pele adentro. Depois, fez muitos desenhos vermelhos na parede branca do quarto. No dia seguinte, calma, seis pontos fecharam o passado de Alice. Uma lâmpada verde arregalou seu olho gordo na avenida Afonso Pena.

Um comentário:

Wilson Torres Nanini disse...

Lúcio, gostei da postagem telúrica, adicionando cores de uma paleta cambiante.

Qanto ao que vc pretende fazer com meus poemas, agradeço, pois neste momento tenho andado muito ocupado com meu trabalho e, de certa forma, sido negligente com minha poesia. Creio que o que eu preciso, neste momento, é de divulgação de meus poemas. Mas não sei como fazer. Portanto, repito: agradeço por esse seu préstimo.

Um forte abraço!