segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Um poema na revista Tiplov

A revista Tiplov, de Portugal, é associada à revista Agulha. Eles reproduziram recentemente um texto meu, as Notas sobre o Teatro de Gerald Thomas.

http://www.triplov.org/

Vale a visita. Olhem que poema maravilhoso que retirei de lá:


CALA-TE!
Maria Estela Guedes

Filo-café «Silêncio ou morte», Incomunidade. Petín, 07.11.09

A vida, esse livro do ser
Lê-se em silêncio.
Mestre, oficia o rito
Que eu apenas respondo ao salmo,
E no resto
Nem respiro.

O silêncio é uma arma de três gumes
Que usamos diariamente
Para calar amarguras
Ou saltando como pumas:
Cala-te! Porque não te calas?

A vida, esse livro do ser
Lê-se em silêncio.

E a outros, se falam, um punhal
Corta sem hesitar a garganta:
Ou silêncio ou morte!
Não o sabias? Então de que te espantas?

Nada incomoda mais que as ciciantes
Preces, as dos que querem ser lidos
Como revistas de moda,
As dos que sabem tudo, tudo censuram,
A todos desautorizam, em altos gritos de arara.

Cala-te! Porque não te calas, charlatão?

Silêncio, que estou a cantar o fado…
Muito barulho fazeis por coisa de nada
E nada em boa justiça se aplica
Aos que bem mereciam a cadeia.

Nem é a autoridade dos que governam impérios
Com a pressão das armas e do dinheiro
A que mais nos ofende com censura
Sim o seu miniatural espelho
De quem nenhuma obra ousou,
Além de poluir o silêncio com mentira.
À luz da nossa vida pessoal, quem mais nos cala
É quem está mais próximo
Mas esse, porque proclama sem cadeira,
Feitos nem actos,
Por excessiva frioleira, mandemo-lo calar
Pois pouco existe, é só fala-barato.

Abençoados os que se calam
A ouvir.
É preciso sabedoria para reconhecer
Que ignoramos
E que outros no seu dizer
Revelam alguma mestria.

Falem-me em silêncio, na língua da erva
Ou na mais cantarolante dos regatos
E das aves que fazem estrugir as folhas secas
Quando as fêmeas se enamoram
Ao ver as danças dos machos.

A vida, esse livro tremendo,
Representa-se devagar,
Em cenário nocturno
Cortado pelo brilho da lua e pelo
Visionar da coruja.
Mais nada é preciso para tocar o astro
Excepto silêncio e cordura.

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