quinta-feira, 5 de novembro de 2009

New York, New York ou: o ataque do homo telenovelicus de sapatos verdes

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior


Embora intitulado New York, New York, nome da famosa de canção de Sinatra que enaltece a grande cidade norte-americana, o clima nesse romance de Denny Yang não é de exaltação nem de otimismo em relação a essa cidade.
Muito pelo contrário. O personagem central, um introspectivo e desenraizado ator teatral que, após umas “férias prolongadas” onde desligou-se do mundo, busca um lugar no mundo numa cidade com praia que, aparentemente, poderia ser o Rio de Janeiro, é mais um lugar onde o ator vaga, desempregado, confuso e com problemas de identificação. Marcado o nome do romance com o nome de um lugar, o romance não se situa em lugar algum, não citando, com freqüência, praticamente nenhuma cidade a não ser New York.
A narrativa gira em torno da sofrida tentativa do protagonista em adaptar-se à vida social depois das férias prolongadas – que bem pode ser uma metáfora para um processo de enlouquecimento ou uma estadia numa clínica de recuperação. A televisão joga um importante papel em sua tentativa de voltar à realidade e não se confundir, ajudando-o a se comunicar com o mundo novamente. E é através da TV que esse personagem deslocado entra em contato com o grande evento do século XXI, a queda das Torres Gêmeas em onze de setembro de 2001.
Se o romance se organizasse em torno desse acontecimento, poderíamos dizer que esse é um romance de geração. Quando o personagem precisa de relaxamento e integração, o mundo reage no sentido contrário, entrando em seu momento de maior tensão, insegurança e conflito após a Guerra Fria. É um grande acontecimento, mas em tudo regressivo: os Estados Unidos despem o discurso universalista da globalização e assumem, nesse estágio histórico, um discurso agressivamente nacionalista. Embora os terroristas fossem sauditas, é o miserável e devastado Afeganistão que sucumbe vítima de uma invasão punitiva dos Estados Unidos. Todos esses fatos não escapam à visão do protagonista, que, ao contrário de muitos, não se exalta em paixão patriótica norte-americana naquele momento.
A narrativa encena a enorme reversão de expectativas, de positivas em negativas, daquele momento: o texto lembra José Agrippino de Paula em sua densidade, no uso das aspas americanas e em seu discurso indireto, repleto de referências a atos cotidianos, embora sem a referência ao mundo das celebridades e sem a violência presentes em PanAmérica, por exemplo. A forma como Fabiano, oponente do jovem ator, é apresentado, denota a antipatia que lhe provocam as telenovelas, produto artístico cujo naturalismo é negado na descrição anti-naturalista de um protagonista de uma delas, conforme se pode ler na passagem abaixo:

“Como ele”? É um que tem uma pinta no rosto e usa sapatos verdes? E apontei com meu dedo na bochecha direita. “A pinta...” ela disse ao padeiro. “Todo mundo conhece ele pela pinta”, e o padeiro concordava, sorrindo (YANG, 2008, p. 60).

Embora a TV jogue um papel importante para que o protagonista se reintegre à vida cotidiana, é Fabiano, vaidoso ator de novelas, que faz um papel desintegrador junto da mulher que o protagonista ama, Aline, curiosamente também o nome de uma história em quadrinhos de Adão Itussuragai transformada, recentemente, em minissérie televisiva onde Aline é uma mulher que namora dois homens.
Os tais sapatos verdes, citados no fragmento acima, são curiosamente da maior importância no decorrer do romance. Um dos motivos-guia desse New York, New York, suponho, é o ponto de virada, a súbita reversão de expectativas positivas quase alucinatória: Os Estados Unidos vão ocupando o Afeganistão, o caso do ator com Aline tornar-se cada vez mais trágico: ele vai a uma festa de um artista plástico chamado Tom e acaba por encontrar o “homem dos sapatos verdes”, Fabiano (o namorado de Aline), com outra mulher, o que paradoxalmente põe a perder o relacionamento de Aline com o protagonista.
No final do romance, o desejo de ir para Nova Iorque, lugar onde ocorreu o trágico ataque citado no decorrer do romance, é afirmado, também numa virada surpreendente. O ator nega-se a fazer novela, e, muito diferente das narrativas naturalistas de um André Takeda, por exemplo, a narrativa de Denny Yang encena essa negação, tanto em suas personagens quanto na sua estética. Não fica claro, ao final do texto, nem mesmo se New York vai conseguir sustentar alguma utopia, mas é melhor do que a atopia até então colocada.

Um comentário:

Denny Yang disse...

Lúcio,

Legal esta resenha... posso enviar para um editor de revista de literatura <

coloquei no meu site, tb... www.dennyyang.com

abraco,

DNY