terça-feira, 10 de março de 2009

Entrevista com Rudá de Andrade

Faleceu Rudá de Andrade, filho do Oswald, no dia 27. E eu não tinha achado ainda algo para colocar aqui.

Errata: Oswald não viu suas peças montadas em vida, mas O Rei da Vela teve uma montagem marcante com Zé Celso. Depois existem montagens, mas nunca tão marcantes.

Francinny: eu acho que o Nietzsche curtiria Brasília. O Oswald choraria se visse Brasília construída. Consta que Drummond ficou feliz em estar vivo para ver o filme Macunaíma.

Rudazinho, filho de Rudá, disse sobre um artigo de José Arthur Gianotti na Folha a respeito do pai: "Acredito que no fundo ainda lhe resta algum sentimento feliz de seu antigo companheiro...Somente um intelectual acostumado a duros e racionais textos filosóficos poderia se expressar sentimentalmente e ser um desastre"...

Quá, quá, quá, Gianottigenstein! O filósofo tucano levou um golpe de tacape dos antropófagos! Meu amigo Ramon Maia me disse, uma vez, que viu o Gianotti dizendo que não estava preocupado com a volta da filosofia para o ensino médio e sim em tirá-la do ensino superior...O queeeê? Ele é louco?

A seguir, entrevista com Rudá:


Um visionário da sétima arte

Marcos VicenttiAos 75 anos de idade, seus olhos brilham e o entusiasmo é mantido com o vigor de um jovem que está sempre disposto a conhecer e aprender quando o assunto é cinema. Filho do casal modernista, Oswald de Andrade e Patrícia Galvão, a Pagu, o cineasta Rudá de Andrade veio ao Acre ensinar sobre a sétima arte. Mas garante que só acrescentou um pouco e aprendeu muito.

Paulista, ele mantém uma vida tranqüila em seu sítio, onde cria vários bichos. Sempre ligado ao cinema, inclusive sendo um dos personagens da proposta do Cinema Novo, Rudá mostrou em cinco dias, na oficina “Idealização do Filme: Percurso para o roteiro”, na mostra “Pra Se Ver Com Olhos Livres”, um pouco de sua vasta experiência.

As informações que passou aos alunos são o segundo passo de uma série de oficinas que o Centro de Antropologia do Teatro e Antropofagia do Cinema (Catac) pretende realizar, antecedendo a criação de dois documentários. A expectativa é de que, além de outros profissionais, Rudá seja o instrutor e volte a Rio Branco.

Com muita simpatia, Rudá de Andrade concedeu entrevista ao Página 20, na qual fala das obras atuais, do cinema que pode ser feito na Amazônia e da pureza desse lugar chamado Acre, que, segundo ele, preserva uma brasilidade quase esquecida. Confira alguns trechos dessa conversa.

Como você analisa a preocupação com o cinema no Acre?
O cinema hoje é uma ferramenta, um meio de comunicação que transmite idéias, sentimentos, crítica, análises, e está inserido completamente na nossa civilização, em todo lugar. Acho que o importante não é a parte mecânica das coisas, ou se há a preocupação, mas a pergunta deve ser: o que os acreanos tem com o Brasil?

Estou conhecendo o Acre, mas entendo que aqui há uma grande força de brasilidade inspirada pela floresta. Os grandes centros, Sudeste, Sul, estão vinculados com o Ocidente. Nosso mercado é totalmente vendido aos norte-americanos.

O Acre pode buscar característica diferente da influência imposta ao Brasil. Finalmente, depois de muito tempo, encontrei um pedaço do Brasil. Há muito não o via, estava morando no exterior dentro do nosso próprio país. Mas entendi isso porque vim até aqui, senti o espírito forte, quase que materializado. É uma experiência divina e nova para mim.

Tem algo aqui que nos leva a uma retomada de valores culturais, pré-colombianos. Isso precisa ser sentido e não politizado, institucionalizado.

Mas é importante, por exemplo, quando Joaquim Tashka mostra o documentário Yawa, sobre sua etnia e diz meu povo, que a idéia seja expandida ao Brasil, pois eu também quero que esse seja meu povo. É mostrar essa comunidade ao Brasil como sendo do Brasil e não individualizando.

O que sentiu durante a oficina quanto a vontade das pessoas com o cinema?

Depende tudo deles, que são os que fazem. Sou só uma complementação. As vezes, se estamos fazendo alguma coisa interessante e ninguém fala, não vai para frente. A contribuição é dizer que estão e podem fazer mais.

Diante disso que vivi aqui, minha vontade foi me despir do modo, roupa sulista para viver isso. Depois dessa experiência de uma semana que foi um grande aprendizado, sei que posso ir embora e fazê-lo, mesmo longe daqui.

Você acredita que a partir disso as pessoas podem gerar um movimento mais amplo, que mostre e integre realmente a Amazônia ao Brasil?

As pessoas querem fazer cinema. Esses grupos têm muita coisa para falar porque representam essa comunidade. O acre, seus povos indígenas, sua selva tem muito a falar. E esse é o meio. Quanto mais apoio existir, melhor, mas o Governo e as próprias pessoas precisam entender que elas não precisam de paternalismo, e sim, sangue e poesia. Nada de instituições para carregá-los.

Os Estados Unidos cresceu com o cinema quando foi para o Oeste, criando a grande potência que é Hollywood. Eles buscavam o sol, porque nas outras regiões chovia muito e os equipamentos não eram tão modernos. O Sol criou Hollywood. Podemos buscar o sol no Brasil. O Acre pode ser esse lugar.

O Brasil ainda vive o cinema dos anos 60 e 70? Você acha que os filmes de hoje que apelam para cenas de sexo e violência são uma exigência do público?

O cinema de hoje, ao Brasil dos anos 60, 70 é uma continuidade. Há uma evolução técnica, democratizada, mas estamos presos a um tipo de filme ditado por Hollywood, alimentado por grandes emissoras, como a Globo, mas isso não exclui o que é mais espontâneo.

Esse estilo de cenas apelativos é uma distorção cultural, que é imposta e que desvirtua as pessoas, criando uma habituação. Para a emoção de um filme isso não é necessário. O cinema americano se impôs no mundo inteiro. Ele perceberam suas três importantes etapas que é a fabricação, produção e distribuição. Então o cinema passou a ser um negócio.

Os Governos são controlados pelos Bancos, e quando esses investiram com recursos no cinema o Governo passou a fazer parte dele. Os americanos iniciaram isso, viram que o cinema não só vendia o filme, como também, o que vinha atrás deles e daí se tornou a segunda maior indústria de lá. Eles compraram cinema no mundo inteiro e criaram um tipo de diversão e as pessoas se habituaram aos estilos impostos.

Não deixa de ser um cinema interessante, mas que domina a todos. E pode ser feito diferente, mas com o espírito limpo. Os povos indígenas não entraram ainda nessa alienação, e a prova disso é o vídeo feito por Joaquim Tashka. Quando a gente assiste, dá vontade de ser assim como eles, de ter a mesma alegria pela vida. Aqui ainda há resquícios dessa pureza a ser valorizada. Em outros lugares também deve ter gente com cabeça limpa. O que a gente vê em São Paulo nesse sentido, é da Ong’s, como uma espécie de limpar uma ferida e soa artificial.

Quais os filmes mais recentes que de sua preferência?

É difícil dizer. Há muitas produções que dentro de determinadas linhas estão trabalhando. O interessante dessa nova safra é a diversidade, pluralidade. Nos últimos dez o cinema se norteia em diversidade, totalidade de estilo, ideologia. É muito comum em lugares como o Brasil o segmento de apenas uma linha.

Mesmo no Cinema Novo, que veio diversificado, havia, que era um contraponto do que existia. Dos anos 60 em diante é que o cinema brasileiro virou um verdadeiro colar de materiais diversificados. E o bom dele é exatamente a sua diversificação.

Você acredita que produções feitas por Kurosawa, Fellini, John Ford e outros grandes clássicos do cinema ainda agradam as novas gerações?

Sim. E é importante que se veja a história do cinema inteiro. Os clássicos são fontes de inspiração permanente. Glauber Rocha foi um grande cineasta no seu tempo porque estudou os clássicos. Ele estudou os clássicos e se tornou um deles no Brasil, com um cinema diferente. Hoje, quem estuda cinema aqui, precisa estudar Glauber.



© Copyright Página 20 todos os direitos reservados - Imprimir

Nenhum comentário: