quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Alencar, Schwarz, Caetano

Há muito eu estava querendo encontrar essa passagem: ao comentar José de Alencar, Roberto Schwarz, em seu livro Ao Vencedor, as Batatas, fez uma referência a Caetano Veloso que entrou em nota de rodapé. Para Schwarz, a vida social brasileira é imitada da Europa e a literatura imita uma imitação, mas aqui noutra pauta. Impressionante como esse ensaio encolhe quando releio. Schwarz, filho de judeus austríacos, nasceu na Áustria, mas foi criado no Brasil. Teria formação brasileira, teoricamente, portanto. Mas ele sofreu em ser estrangeiro no Brasil, o que na infância costuma ser um tormento. E isso repercute em sua crítica madura, onde o país é sempre diminuído e depreciado. O fato dele ter gostado tanto do livro Minha Vida de Menina, de Helena Morley, diário de uma menina estrangeira na Diamantina do século XIX, é indicativo disso. Uma das coisas mais amenas que acontecem é que, quando o avô protestante da menina morre, os colegas debocham e dizem que ele terá de ser enterrado no cemitério dos protestantes, pois a Igreja Católica não os aceitava nos cemitérios dos demais cidadãos. E Helena respondia, por sugestão de seus parentes, coisas como “mas pelo menos ele não tinha um nariz achatado de negro como o seu, etc.” Minha memória pode estar me traindo, mas essa era a tônica desse livrinho, um diário em que Schwarz entreviu um Capitu anglo-mineira.
A passagem que motivo a nota foi um fragmento do livro Sonhos d´ Ouro, de José de Alencar. O primeiro passo, segundo Schwarz, é dado pela vida social e não pela literatura. A crítica de Schwarz imaginar que o Brasil é mera cópia da Europa, o que desde o tempo da colônia é equívoco. E nessa edição de 78 há citações de Gilberto Freyre, que não aceita essa idéia da cópia, que sempre frisa a excepcionalidade da mistura de raças do Brasil. A passagem de José de Alencar é a seguinte:

Tachar esses livros de confeição estrangeira é, relevem os críticos, não conhecer a sociedade fluminense, que está a faceirar-se pelas salas e ruas em atavios parisienses, falando a algemia universal, que é a língua do progresso, jargão eriçado de termos franceses, ingleses, italianos e agora também alemães. Como se lhe dá de tirar a fotografia desta sociedade, sem lhe copiar as feições?

Já a nota diz:

A situação é comparável à de Caetano Veloso cantando em inglês. Acusado pelos “nacionalistas”, responde que não foi ele quem trouxe os americanos ao Brasil. E é claro que cantando em inglês com pronúncia nortista registra um momento substancial de nossa história e imaginação (Schwarz, 1978, p. 56)

E agora, o mais engraçado: Caetano canta em inglês, no disco Transa de 1972, por exemplo, em inglês britânico, disfarçando ao máximo seu sotaque baiano. Ele sempre teve orgulho em dizer que canta e fala em inglês “sem sotaque”. E outra: ele é nordestino, não “nortista”!

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