domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre o Vazio Teatral (do Blog do Afonso)

Publico acima uma postagem do blog do Afonso Romano e pergunto: os festivais de teatro contemporâneo não aceitam peças "compreensíveis"?



AGORA O "VAZIO" TEATRAL
Enviada por as 23:22 - 27/12/2008


NOTA: ESTA CARTA RETRATA UM MOVIMENTO QUE NÃO É SÓ BRASILEIRO, MAS INTERNACIONAL, E ESTÁ SE ALASTRANDO EM VÁRIOS ESPAÇOS ARTÍSTICOS







Prezado Affonso Romano de Sant\'Anna,

Sou diretor teatral no Rio de Janeiro e professor na Escola de Comunicação da UFRJ. Consideradas apenas essas duas qualificações, teria eu todos os motivos para discordar de suas idéias em "O Engima Vazio", e mesmo dedicar o precioso horário de meus ensaios (teatrais) e aulas a difamar seu livro e o pensamento que ele expressa. Milito, afinal de contas, em dois campos dogmáticos da "contemporaneidade": o teatro carioca e academia brasileira.

O que ocorre comigo, no entanto, é exatamente o oposto: encontro em sua obra (e nas entrevistas a respeito dela) a sistematização de muito do que venho percebendo como artista e formador de outros artistas (sou professor de direção teatral), tanto em relação à própria criação

artística quanto à crítica que dela se faz. Por um lado, sofro na pele a discriminação de propor, como encenador, um teatro de clareza e respeito à inteligência do público; por outro, como docente,perturba-me a constante batalha contra o que meus pares semeam irresponsavelmente na cabecinha indefesa dos bacharelandos, um bombardeio de "pós-isso", "des-aquilo" e outras variações aleatórias de prefixos que tentam dar novos significados às coisas velhas, ou a coisa nenhuma.

Dirigi recentemente espetáculo adaptado de "O Processo", de Kafka, que esteve em cartaz no Maison de France. Kafka é, de certa forma, um "Duchamp" da literatura, no sentido de que sobre ele já se teorizou muito mais do que o próprio escritor desejaria. "Limpar a área" de toda a impostura analítica sobre o tcheco foi esforço constante na construção da peça, de minha adaptação. Procurei contar a história que no romancese conta, sem lançar declaradamente o "meu olhar" sobre a obra; ou melhor, fazendo isso na função de diretor que interpreta seu texto sob

forma cênica, e não no programa da peça ou na entrevista do "Segundo Caderno". Mas fui cobrado, pelo que se chama de "crítica teatral" no Rio, exatamente pela falta da "angústia kafkiana" e pela "heresia" deinvestir no humor de um autor "tão sombrio". Agora estou para estrear "O Bilontra", torcendo para que não haja, sobre Arthur Azevedo, carga tão pesada de "TIORIA" (assim mesmo, com "I"). Na faculdade, luto para que alunos-diretores procurem entender Ésquilo,já bastante complexo, antes de macaquearem Beckett. É tarefa árdua e ingrata, porquanto nas demais aulas muito se ouvem as doutrinações da "pós-modernidade" e da "des-construção", sem que ninguém tenha explicado o que é moderno ou como se constrói algo. Sou o "careta", o "ranzinza", o "ultrapassado". Tudo isso aos 43 anos; imagine quando eu completar 60! Parece que o sonho de cada estudante é emplacar uma vaga nos próximos festivais de "teatro contemporâneo", que invariavelmente recusam inscrição às peças compreensíveis.

Enfim, não lhe tomarei mais tempo com a descrição de atrocidades que já são de seu conhecimento. Escrevo-lhe somente para cumprimentá-lo por sua reflexão sadia e desejar-lhe um Feliz 2009.

E se quiser aparecer em "O Bilontra", a estréia é no dia 13/1, no Solar de Botafogo, onde aliás também está em cartaz a excelente "Traição" (produção com a qual não tenho nenhuma relação), de texto do Harold Pinter, falecido ontem como o último dos dramaturgos lúcidos...



Um abraço cordial,

José Henrique Moreira





José Henrique, meu caro:



Claro que gostei de sua carta, pela franqueza e pela lucidez. E você captou bem: a partir da crise evidente nas artes plásticas temos que proceder a uma análise de todo o sistema artístico atual. Não para voltar ao passado, mas para por no seu devido lugar as "in-significâncias" que pretendem passar por criatividade.

Neste sentido, tenho recebido emails e mensagens de artistas em várias áreas, alguns acuados, outros desiludidos, muitos revoltados, todos querendo resolver essa " aporia" em que nos metemos e que faz parte de uma questão maior que só pode ser encaminhada com uma análise crítica da modernocontemporaneidade.

Com clareza você assume o peso de estar "em dois campos dogmáticos da "contemporaneidade": o teatro carioca e academia brasileira". Este o desafio: pensar o sistema, a despeito do sistema, além do sistema, sem se enquadrar na "ideologia dominante". Lembro-me de uma frase do poeta alemão Enzensberger, que ironicamente retrata a pretensão de muita gente que conhecemos:entrando para o rebanho, muitos carneiros se julgam carneiros-guias.

Quem sabe está surgindo a ocasião e o espaço para uma discussão que interessa a muitos criadores dentro e fora do Brasil?



ARS

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