terça-feira, 5 de agosto de 2008

Oswald e as Alegorias da Modernidade

MARIA EUGENIA BOAVENTURA

Universidade Estadual de Campinas

Totens e Tabus da Modernidade Brasileira (Tempo Brasileiro, 1985) talvez seja o primeiro trabalho dedicado a analisar a totalidade da obra de Oswald de Andrade publicado em livro. A autora, Lúcia Helena, professora da UFRJ, descarta apenas o estudo dos textos jornalísticos reunidos em Ponto de Lança e Telefonema. Numa abordagem bastante clara e didática, exagerando o tom persuasivo em alguns momentos, a obra de Oswald de Andrade é examinada à luz da teoria benjaminiana sobre alegoria. Lúcia Helena troca em miúdos o conjunto de reflexões que enformou a concepção originalíssima desenvolvida por Walter Benjamin em O Drama Barroco Alemão. Na realidade, introduzindo a discussão sobre a teoria utilizada, a ensaísta deixa bem evidente os canais a que recorreu para empreender sua viagem de reencontro e reexame da produção desse irrequieto modernista. Terminada sua exposição fica mais uma vez comprovado que esta obra polêmica e contraditória de Oswald subsiste em meio ao tempo e permanece atualíssima. Portanto, manejando um arsenal teórico-crítico sofisticado e muito atual, Lúcia Helena delineia um trajeto particular de uma produção que no seu entender oscila entre "um procedimento ora dominantemente simbólico, ora alegórico". Através desse traçado especial tenta articular a criação oswaldiana enfatizando sobretudo o procedimento alegórico, considerado núcleo unificador dos problemas e viga mestra da sua poética. Esse percurso criativo imaginado e defendido ardorosamente é basicamente vasculhado nos dois manifestos "Pau Brasil", 1924, e "Antropófago" 1929), na ficção, na poesia, no teatro e em alguns poucos ensaios.

Por mais que se discorde da abordagem escolhida para esta revisão, deve-se reconhecer a seriedade com que Lúcia Helena desenvolve sua análise. É certo que, de vez em quando, a figura do homem do Pau Brasil aparece super dimensionada, embora o envolvimento da autora não chegue a abalar o rigor da sua argumentação fluentemente bem articulada. Qualquer leitor, menos familiarizado com o arcabouço teórico-literário sob o qual é montado sua tese, termina a leitura deste ensaio entendendo não somente de Oswald de Andrade, mas também de Benjamin, o principal intermediário entre Lúcia Helena e a heterogênea produção do criador de João Miramar. Em algumas passagens desta análise escrita com muita elegância, talvez fosse mais proveitoso uma menor interferência da teoria intermediária. Ao que me parece, Oswald e sua "performance" no movimento modernista brasileiro deveriam surgir mais livremente, sem precisar valorizámos com apoio de tantas justificativas e princípios de ordem teórica. Um pouco mais de história e contextualização no cenário literário brasileiro somente ajudariam a entender o porquê da convivência dos chamados procedimentos alegóricos e simbólicos nessa produção tão diferenciada. Ou melhor, serviria para atenuar a rigidez dessa classificação, uma vez que ela não é sustentável quando aplicada ao Marco Zero, por exemplo. No caso de Oswald de Andrade é necessário observar como a sua obra espelha a ansiedade de um escritor em manter-se atualizado com as tendências artísticas do seu tempo, muitas vezes antecipando-as. E a classificação proposta por Lúcia Helena não funciona pelo menos quando aplicada ao Marco Zero, que não é um projeto linear de narrativa. Muito pelo contrário, a exemplo de sua produção inicial (Os Condenados) a linguagem cinematográfica foi a construção preferida; os cortes bruscos da cena levam o autor a abandonar com maestria a velha noção de estrutura romanesca com princípio, meio e fim: as pequenas cenas assumem vida própria. E o exemplo da chamada "técnica miudinha" é muito bem sucedido. Sem sombra de dúvida Totens e Tabus da Modernidade Brasileira enriquece a fortuna crítica de Oswald de Andrade e pela clareza da exposição e das idéias este livro se reveste num autêntico passaporte para se viajar com Miramar e Serafim pelo eldorado de Pindorama oswaldiano.

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