sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O Invencível





Montréal (Canadá) - Ernest Hemingway era um homem complicado, por isso, sempre que alguém me pergunta sobre sua imagem machista ou o que ele pensaria sobre o mundo de hoje e seus problemas, eu normalmente digo que houve diferentes "Papas". Ele era certamente muito homem, um machão, mas gostava de pescar e caçar. Era mulherengo, mas também demonstrava a fascinação que teve a vida inteira pela androginia, como no romance póstumo "O Jardim do Eden" e em muitas outras obras.

Do mesmo modo, é difícil entendê-lo politicamente. Quando um jornalista perguntou-me, em Pamplona, o que eu achava que meu avô iria pensar sobre Guantânamo e seus escândalos de tortura, eu disse que esses eram crimes contra a humanidade e que, obviamente, Ernest, se estivesse vivo, iria se pronunciar contra eles. O meu avô, eu lembrou ao jornalista, apoiou a causa republicana na Guerra Civil Espanhola. Ele era um democrata, no sentido em que ele acreditava na democracia e no direito do povo espanhol de ter uma República, se era isso o que eles queriam.

Naturalmente, seu apoio não se limitou às manchetes de jornal ou ao romance "Por quem os Sinos Dobram." Além de levantar dinheiro nos Estados Unidos para comprar ambulâncias para o Exército Republicano, ele também fez a narração para o filme de propaganda republicana "A Terra Espanhola". Sem dúvida, o que ele experimentou em Madri durante a guerra afetou-o profundamente, e quando os fascistas venceram ele disse que nunca mais voltaria, enquanto eles estivessem no poder.

Ele manteve a promessa até 1953, quando regressou à Espanha com sua esposa Mary. Naquela altura, embora tivesse apenas 54 anos, ele tinha envelhecido rápidamente e queria ver as corridas de novo antes de morrer e participar daquele mundo de toureros, touros e espadas.

Seu regresso foi amplamante criticado, inclusive pelos esquerdistas, que o acusaram de trair seus ideais e tudo o que ele havia escrito durante a Guerra Civil. Certamente, a volta do autor de "O sol também se levanta" à Espanha deve ter sido um golpe para o regime de Franco. Foi o tipo de publicidade que o dinheiro nunca poderia comprar, mas Ernest já tinha lutado sua batalha, e tinha perdido, e não havia nada que ele pudesse fazer sobre a situação política. Franco governou o país com um punho de ferro e sobreviveu ao meu avô quatorze anos.

A ironia de tudo isso é que, enquanto esteve na Espanha como um convidado especial do regime, o próprio governo manteve a espionagem sobre ele. Ele era considerado um esquerdista e um potencial subversivo pelo FBI e seu chefe, J. Edgar Hoover (em parte devido a seu apoio à causa republicana espanhola), e os arquivos sobre ele cresceu ao longo dos anos e chegou a mais de 19 mil páginas numeradas.

No entanto, apesar do que possam dizer sobre ele e sua decisão de voltar à Espanha, Ernest talvez não estivesse tão errado em ter uma atitude ambivalente em relação à política. Observando o cenário político de hoje nos o EUA e o absolute descaso de politicos republicanos e democratas têm pelo desejo do povo, eu diria que não houve grandes mudanças os anos 50. Podemos ter votado, em 2006, para pôr fim à guerra no Iraque, mas a elite política continua a fazer o que quer, lutas suas guerras guerras e nos espiona, independentemente do que pensamos. Nenhum deles é confiável, e talvez a única coisa que nos resta é viver a vida da melhor maneira possível. Tal como fez meu avô, ignorando os bastardos no poder.

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