sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Marginal Pinheiros


MARGINAL PINHEIROS
28/08/2008 3:22 am

Estou tão enfronhado no Rio com esse projeto da Obra em Progresso que tenho me sentido longe à beça de São Paulo. Vim aqui fazer o show com o Rei no belo teatrinho do Niemeyer no Ibirapuera e senti o tamanho da saudade que eu estava de Sampa. O teatro é elegante e induz à quietude. Se o show fosse no Ginásio do Ibirapuera, o ruído dos aplausos assustaria a boba da Folha e o burro do Estadão que escreveram sobre o show. Há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira - e, mais uma vez, envolvendo Roberto Carlos e este transblogueiro que vos fala. Se eu tivesse direito a convite, teria chamado Augusto de Campos para estar presente ao encontro: foi ele quem escreveu o primeiro texto de apoio crítico à Jovem Guarda, prefigurando o tropicalismo e opondo a energia da turma de Roberto e Erasmo à pretensão da turma de Elis. São Paulo é isso. Quando vi a Ponte Otávio Frias em frente aos prédios pós-modernos da Marginal Pinheiros (prefiro prédios pós-modernos aos chamados modernos que encheram nossas cidades de desarmonia, em nome da racionalidade) me senti esperançoso. Dei entrevista a Jô (onde disse isso) e segui para o lançamento do livro do Mangabeira na Casa das Rosas. Agora (já às duas e meia da manhã) o provincianismo fraco dos articulistas dos dois grandes jornais locais não conseguiu abalar essa sensação. O Brasil de Tom, que é o Brasil que precisa estar à altura da bossa nova, cresce para fora e para longe do Brasil dos débeis de cabeça e de coração.

Escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever. O do Estadão então é inacreditável. Como é que qualquer editor deixa sair um texto com tantos erros de português, tantas redundâncias e obscuridades, tamanha incapacidade de articular pensamentos? A da Folha não sabe pensar mas exprime de forma primária esse seu não-saber. O outro, nem isso. O texto dele é tão mal escrito que a gente tem de adivinhar o que ele pensa - e chega à evidência de que pensa errado. Mas de alguma forma o artigo da mulher parece ser mais prejudicial do que o do cara. Não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando. Os jornais talvez publiquem algumas das cartas.

Chega de verdade. “Lobão tem razão” vai ficando muito bonita dentro de mim. Cada vez que a canto ela parece melhor. Fui cantar um trechinho no Jô e fiquei emocionado. “Lapa” nos pareceu - a mim e aos caras da Banda Cê - boa de cara. “Lobão tem razão” cresce com o tempo (em nós, pelo menos). Agora vamos começar o trabalho de estúdio: três dias de ensaio e, na segunda, começa a gravação do CD. O DVD, feito de números em construção, tirados das apresentações no Vivo Rio e no Oi Casa Grande, vai ser um documento da Obra em Progresso. Mas o CD será a prova dos noves (é dos noves, sim: a gente parece que tem medo de pôr os numerais no plural! - até o Oswald de Andrade, naquela grande frase de um dos seus manifestos, escreveu “a alegria é a prova dos nove”; bem, não está errado, mas a própria prova é sempre feita com o uso da expressão “noves fora…”; e como eu já gosto de nove, essa idéia de noves - muitos, múltiplos noves - me dá enlevo). Muito aprenderemos sobre essas canções e suas concepções sonoras quando as ouvirmos gravadas em estúdio. De minha parte, estou curioso e um tanto impaciente. Suponho que a gente vai lançar o CD ainda este ano. O DVD, como recordação do processo que chegou até ele, fica para um pouco depois. Depois do carnaval?

Acho que todo o mundo devia ler o livro “O Que a Esquerda Deve Propor”, de Roberto Mangabeira Unger. É um livro pequeno, denso mas muito claro, que faz renascer o sentimento de “ser de esquerda” em nós. Há propostas concretas interessantes e sobretudo uma visão do mundo hoje que nos liberta para pensar. De minha parte, vejo ali formuladas muitas das idéias que tentei eu próprio encontrar dentro de mim. O capítulo sobre os Estados Unidos e seu papel no mundo hoje é obrigatório - e independe de você querer ou não apostar nas sugestões de mudanças institucionais que Mangabeira oferece. Leiam e vejam se não está ali tudo o que precisamos saber agora sobre a morte das formas de política de esquerda que conhecíamos - sem que seja necessário passarmos a ser conservadores. Há décadas que venho dizendo que Brasil não pode jogar fora a contribição que nos quer dar esse pensador. Agora vejo que o Brasil não vai fazer isso. Temos um dever de originalidade. Temos algo a dizer ao mundo. Mesmo que nunca o disséssemos - mesmo que nunca o digamos - nós o temos. Mesmo que o calemos ou nos recusemos a articulá-lo, temo-lo (e é com prazer que o digo assim, homenageando o português lusitano, que também é nosso e que não devemos ignorar: um dia desses vou escrever sobre lingüistas que agridem os gramáticos em nome de uma demagógica receptividade ao que às vezes é mera limitação opressora dos falantes - mas não vou voltar aos erros do carinha do Estadão).

Estou escrevendo qualquer coisa hoje porque fiquei muito pegado com os shows de Tom/Roberto e nunca mais tinha escrito nada. Mas voltarei.

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Direto da edição: atrás do transamba
22/08/2008 1:05 am

AQUI FALA O HERMANO: Quito Ribeiro é parceiro de longa data. Acho que nos conhecemos quando ele era adolescente. Era um dos amigos do Moreno, que se tornaram também meus amigos queridos e hoje têm carreiras artísticas/intelectuais tão interessantes e diversificadas, algumas já ilustres: Pedro Sá, Kassin, Lucas Santtana, João Miguel, Pedro Süssekind e muita gente mais. Turma bacana essa… Quito é músico, produz seu próprio transamba baiano/jamaicano. Disco e shows excelentes e poderosos. Mas é também roteirista, editor etc. Fizemos juntos o roteiro de Tempo Rei, documentário sobre Gil. Ele participou da edição do Música do Brasil, do Central da Periferia. Montou O Maior Amor do Mundo, filme de Cacá Diegues. Etc. Etc. Agora está editando as entrevistas de Obra em Progresso, para o DVD. Da ilha de edição da Natasha, no seu segundo dia de trabalho, ele manda este texto, cheio de boas questões de quem está mergulhado nas horas e horas de material filmado por Toni Vanzolini:

“Estou aqui começando a editar o material de entrevistas que vai ser incluído no DVD. Faz parte deste processo inicial a idealização de um roteiro, ou de vários, à medida que vamos tomando conhecimento do material que dispomos. Um ou vários, todos são, em geral, diferentes do roteiro que foi escrito antes do material ser filmado ou gravado.

Neste caso específico nunca houve um roteiro. Estamos fazendo o que em linguagem cinematográfica chama-se cinema direto. Seguindo os passos dos nossos “personagens” sem fazer maiores interferências.

Resolvemos em conjunto tentar falar sobre o transamba.

Fico então aqui na ilha de edição, montando estes roteiros virtuais, tentando tornar o transamba compreensível. E as perguntas não param de aparecer. Seja para tentar fazer conexões entre as partes do material; ou forçá-las; ou tentar cobrir buracos onde eles eventualmente surgem.

A edição de um material sempre carrega consigo certa insatisfação com o material que foi obtido. O que é natural porque uma dose de insatisfação é inerente ao próprio processo; ou seja: ao fazer as perguntas, não quer dizer que eu esteja levantando as questões fundamentais para que o filme tenha uma narrativa fluida e coerente ao final.

Enfim, como este trabalho permite este tipo de situação, resolvi compartilhar essas questões aqui no blog e publicar as perguntas que em outros trabalhos não tenho a oportunidade de fazer.

Não sei se essas respostas, se vierem, estarão melhor no blog ou nesta sequência que estou montando (no momento essas respostas me ajudariam sobremaneira), mas seguindo o mantra da Obra em Progresso…

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Uma vez ouvi Caetano dizer que pensou, junto com Pedro Sá, antes do Cê, em fazer um disco meio anônimo, mas que seu lado leonino não deixou e eles acabaram fazendo o Cê. Fico pensando em “Todo errado”, em “Lobão tem razão”, em Caetano e Moreno cantando “Be kind to your parents”… E pra mim isso tudo por algum caminho soa meio lado B de um Caetano que faz do seu show um ritual todo marcado, todo solar. Jacques Morelembaun e Arto Lindsay falaram algo disso nas suas entrevistas. Ao mesmo tempo penso no samba como um lado B de um ritual religioso. E aí me dá vontade de saber: porque que Caetano escolheu o samba para ser o mote desta Obra em Progresso?

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Agora ouvi Moreno dizer na entrevista, que também é atitude de um leonino, se quisermos continuar nestes termos astrológicos, expor o processo inacabado. Ele conhece o pai dele melhor do que ninguém. Donde concluo que o lado B de um leonino é tão solar quanto o lado A. Eu, da minha parte, tenho consciência que este transamba que estou procurando no material filmado, de alguma maneira é transcaetano. Ele já está presente aqui e ali ao longo da carreira dele. Já esteve iluminado aqui e ali, por assim dizer. Mas agora ele resolveu nomear. Que situação ou situações levaram Caetano a querer fazer isto agora? Ainda não encontrei no material a resposta.

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Estou aqui vendo a entrevista de Ricardo e chego a mais uma conclusão. Transamba é um apelido, a elaboração de algo que surgiu naturalmente. Surgiu a partir da coincidência de gostos estéticos testados pelo tempo, pelos ensaios, pelas passagens de som, pelas turnês. Essa coincidência na concepção dos arranjos gerou o que se costuma chamar “soar como banda”. Essa maneira como a banda soou e os músicos começaram a querer que ela continuasse a soar a partir daí, gerou o transamba. Desde o momento primeiro de preparação, quando Caetano tomou a decisão de compor para esta banda. Será? É a procura deste tipo de material que estou indo atrás: a banda Cê elaborando o transamba. Conversei com Henrique Alqualo, que está trabalhando aqui comigo e ele diz que temos. Será que isto vai dar caldo?

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Na entrevista de Arto Lindsay, ele situa o transamba entre o transa e um R&B contemporâneo feito por gente como Raphael Saadiq. Por este ponto de vista transamba seria “samba atravessado”, ou um samba que traz em si a sobreposição de vários sambas. Ao mesmo tempo, ouvindo as musicas novas nos shows, vejo citações nas letras de Guinga, Pedro Sá, Kassin, Francisco Alves, Seu Jorge, Los Hermanos. Cabe a pergunta: Transamba tem uma linhagem?”

VOLTA O HERMANO: Como dá para perceber vai ser também bacana acompanhar o progresso da edição também por aqui. Toda fez que Quito for encontrando as respostas ou novas perguntas, haverá novos posts no blog Obra em Progresso.

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