quarta-feira, 11 de junho de 2008

Pato Fu em Meu Diário de 1994

Diário de 1994

Pato Fu II, 4/01/1994

Quando vi o Pato Fu pela primeira vez, eles estavam tocando na Calourada da faculdade de Letras. Tocavam “Meu Pai, Meu Irmão”, “Meet the Flintstones” e “Sítio do Picapau Amarelo”. Logo depois, entraria o Virna Lisi. Neste dia fiquei duplamente surpreso. Mas o pessoal do Pato Fu eu só revi uns tempos depois, na faculdade de Direito. Não causou sensação dentre o público, formado na maioria por garotos engravatados que já na Introdução ao Direito tinham comprado seus terninhos. Aquele público só se entusiasmou quando uma banda cover dos Beatles tocou “Twist and Shout”. E nunca mais.

Dessa vez cheguei com uns amigos até o palco após o show. Nos apresentamos para a Fernanda, que nos deu uma atenção doce e delicada como ela. “Adivinhe de onde eu sou”, perguntava. Ninguém arriscava dar palpites. “Do Amapá”. “Estou estudando Comunicação Social” “Onde?” “Na Federal”. Eu, que fazia Filosofia lá desde 92, não me lembrava dela em lugar algum. Um amigo resolveu dar para a Fernanda uma camiseta que ele vestia, dos Beatles. “Quem compõe as músicas, Fernanda?” “É o John”. John se chegava para o nosso lado. Um cara chega para comprar uma camiseta do grupo com a Fernanda, outro pergunta se o John curte...Canto Gregoriano! E ele curte. Só não curte Beatles e com certeza seu sangue não ferve com Titãs nem com Legião Urbana. Já era tarde para avisar sobre a tal camisa dos Beatles. Meu amigo já tinha entregado para a Fernanda. E tinha recadinho, telefone. Era o tal apelo Pop, isso? Se era, com certeza o Pato Fu tem apelo Pop. As músicas ficam na cabeça. Os refrões, quando pintam, são altamente cantaroláveis. Mas tocar no rádio mesmo, que é bom...E o pior é que Fernanda usa bem o seu curso de Marketing. Engraçado é que eu soube que ela participou do Festival de Arte do SESC, num curso de artes circenses.

E o primeiro disco do Pato Fu, lançado em fins de 1993, foi o investimento anual que a Cogumelo fez em um grupo diferente do seu “cardápio”. Antes já a banda Chemako, de hard-rock, já tinha sido lançada assim. A Cogumelo gravou os primeiros elepês do Sepultura, mas acabou perdendo os rapazes para uma multinacional. Eles estão hoje fazendo discos na Inglaterra e são reconhecidos como uma das melhores bandas de Heavy Metal do mundo.

O Pato Fu canta em bom português e é destinado ao mercado nacional. A Bizz já os reconheceu. Atualmente, o cenário mineiro está cheio de bandas que procuram seguir as “novas tendências” internacionais e seguem cantando em inglês e se inspirando em Sonic Youth, Pixies, Velvet Underground, Stone Roses, para não falar nos inevitáveis Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains. Ora, quem canta em inglês visa obviamente seguir o caminho do Sepultura: o sucesso internacional. Mas, para isso é preciso ser melhor do que as bandas internacionais do mesmo estilo. Para cantar para a garotada tupiniquim, era um boa que eles cantassem em português. Por que? Porque a moçada não sabe inglês, ou não entende o suficiente para gostar de uma letra.

P. S: John, antes de fundar o Pato Fu, tocou no Sexo Explícito, que acabou após apenas dois discos. O segundo, então, acabou mal distribuído. Costumava ser vendido no Paco Pigalle, onde o Sexo Explícito tocava frequentemente. Para o Sexo Explícito as coisas foram duras; pelo que me disseram, só uma rádio de Betim topou tocar suas músicas. Só rolou, fora isso, os caras ficarem divulgando o disco lá na Câmbio Negro...Pato Fu é uma mistureba. Aproveita a idéia da banda The Jingles, utilizando satiricamente os jingles...(continua)

Continuação

Pato Fu é uma mistureba. Aproveita a idéia da banda The Jingles, utilizando satiricamente os jingles, tal como a música “Meet The Flintstones”. O desenho provavelmente marcou a infância dos componentes do grupo, assim como “Sítio do Picapau Amarelo” de Gilberto Gil. Os desenhos da contracapa foram tirados, me parece, das histórias em quadrinhos em que palavrões não podiam aparecer. As letras do grupo não são “imbecilóides”. São infantilóides. O vocalista canta afetando infantilidade, mas cheio de malícia, “meu pá, mer´mão”. Reflete, perverso, que, se não é possível mudar o mundo, é possível “fazer um disco de gritaria”. A gritaria, no disco, choca os desavisados. Pato Fu é destinado claramente aos adolescentes. O anagrama que é o título Rotomusic de Liquidificapum é humor adolescente, implacável. A voz da Fernanda fica na cozinha. Fernanda, se quisesse, poderia fazer um vocal comovente como “Afterhours” da baterista do Velvet Underground. Seu violão não se mostra. O som é uma massa de guitarra, baixo e bateria. É sátira também, há até uma paródia de Kiss no disco. Ora, bolas, o Kiss era quase paródia do próprio Heavy Metal, com seu terror de histórias em quadrinhos. Era rock de arena, devia muito ao rock adolescente dos anos 70, tipo David Bowie fase Ziggy Stardust ou Marc Bolan no T. Rex. Guitarras cortantes, rock and roll grudento, maquiagem pesada. Terror de histórias em quadrinhos é quando, em meio a um rock pesado, cheio de guitarra, um pianinho delicado surge enquanto Fernanda diz delicadamente: “hoje as pessoas vão morrer/Hoje as pessoas vão matar/O espírito fatal e a psicose da morte estão no ar”. Um metal comenta, quase rindo. Lindo.

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