segunda-feira, 30 de junho de 2008

Enfim Seu

O tempo, esse escasso recurso não renovável, abriu um precedente em sua pressa e escorreu naquele dia lentamente entre seus dedos. E que delícia esse vagar liquefeito, que deslumbre nesse poderio. Viu que ele, o sisudo regente dos ponteiros, era melado e viscoso, descobriu nele a saliva doce das virgens que deixara de beijar por achar que a elas devia compostura em seu cheiro de recato e em suas roupas de muitos botões. Qual o quê..

O tempo tomou forma de nuvens, tantas e de sortidos contornos, aquelas que deixou de apreciar por justamente não ter tempo. Foi quando decidiu encaixotá-lo, em forte compartimento – com cadeado, segredo e tudo, a fim de que doravante fosse o tempo estacionado, sem razão de ir-se esgotando. E que não prosseguisse em slow-motion, e sim pausado ficasse, suspenso pelo cansaço de não passar mais e gritasse revolto, de dentro da caixa, para voltar a correr. Mas agora ele era o amo do ingrato ir-se das horas, manteria-o criança e seu refém até segunda ordem, e estaria em suas mãos deixar ou não o tempo tornar a marcar o tempo, criar as rugas, delimitar começos e finitudes dos amores dos homens, das estações do ano, dos trabalhos enfadonhos e das esperas nas filas. O tempo seqüestrado guardaria forçosamente o frescor da pétala em viço pleno, a tez de pêssego das moças não mais desembocaria na aridez das velhas. Era dele, enfim, a caixa do bem e do mal, o termo de toda vã filosofia, o relógio que ao adiantar-se ou atrasar-se, da forma que bem entendesse, iria do nascimento ao velório e do velório ao nascimento. Divertia-se, ria o riso destravado ao viver o que não fora. Agora era brincar de vice-versa, no cerne do inesgotar-se.


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