terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Mái Jânqui Blóguis: Hemoglobina 9

Escrevo sobre a banda Junkie Dogs pensando diferente do que eles próprios se definem em seu perfil no MySpace (http://www.myspace.com/thejunkiedogs). Eles se dizem “just another new band”, ou seja, só uma nova banda qualquer, no entanto, eles contam com uma densidade poética visível em suas letras, ainda que a maioria seja escrita em inglês. A estética das canções é minimalista e o som é “sujo”, marcado por distorções de guitarra que lembram os discos do Velvet Underground e, mais recentemente, Sonic Youth e Jesus and Mary Chain, ou melhor, são um elo perdido entre a juventude sônica e o veludo nos subterrâneos. Brain Damage, The Owl e outras canções podem também, suponho, ter alguns ecos de Joy Division e da chamada “Onda Fria” (Cold Wave) que veio antes da “New Wave”. Os Junkie Dogs, seguindo na tradição de Jimi Hendrix, incluíram o ruído enquanto música, tematizando e vivendo a dissonância, a melancolia e as sombras. Isso além da influência beatnik que comentarei a seguir.

O nome da banda remete, por sua vez, a William Burroughs, autor de Junkie e Almoço Nu, escritor tido como inspirador da contracultura e do rock dos anos 60 em diante. A partir da repercussão e da aura cult que ganhou William Burroughs (que chegou a participar de filmes em Hollywood), ser junkie (viciado irrecuperável em drogas) passou a ser um charme e até mesmo um look, um visual que foi exibido por modelos esquálidas e anoréxicas: a primeira foi a inglesa Twiggy, feia para os padrões brasileiros e atuais, mas já na moda junkie. Existe uma banda de folk e country chamada cowboy junkies e em Belo Horizonte mesmo, no cenário rock dos anos 90 de onde emergiu nacionalmente apenas o Pato Fu (esses “Mutantes de mercado”, alegrando com seu humor debochado uma época sem utopias), mas onde existia uma efervescência musical que alimentava bandas como Náuplio, Elétrica Uzifur e Virna Lisi, existiram também os Mickey Junkies. É numa cena agora consolidada, nos anos 2000, que surgiram os Junkie Dogs, banda que conta com muito talento poético e artístico, a exemplo dessa bela canção-poema, clamor forte e cheio de urgência, intitulada Hemoglobina 9, utilizando, ao que parece, a escrita automática e aquilo que Drummond chamou de palavra-puxa-palavra:

as horas passam

os homens passam

as tardes caem

enfim

acabou

o século vinte

se apenas conseguisse comunicar sentimentos sem a lógica dos sentidos como quem ressuscita da semente para dizer adeus e caminhar na tempestade tentativa de atrasar um minuto perdido sonhando com os mitos elementares que ocupam o imaginário das cidades delirantes de tragédias anunciadas e sangue de juventude esgotada sem o princípio de uma nova vida em pleno inverno de pequenos objetos que consomem todo o nosso afeto e distraem direções de olhares para dramas em lâmpadas de querosene comburentes de noites inteiras na sua chama amarela onde vejo minha alma extinta nos braços de um amor que olha para mim e ri como se soubesse que sou cruel e verdadeiro e sempre o mesmo para além do sol que chicoteia meu crânio nas marcas de unha do chão que ficou para trás porque sei que a imagem colossal do mundo povoado pelo homem se baseia em meu reflexo estampado na superfície do espelho apavorado pela existência que contempla a si mesma eternamente até mesmo quando olha outra pessoa e vê o próprio olho nas descobertas retidas pelas mágoas do olhar de quem não mais o ama

(declamado com vigor e demência)

para os olhos

movimentos circulares no sentido horário

para o pescoço

movimentos circulares descendentes

no sentido anti-horário

(urro primal)

ah

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