quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Oscar Wilde Enquanto Pensador da Arte

Para brilhar nos salões da Inglaterra vitoriana, Wilde preocupava-se em desenvolver frases de efeito muitas vezes de caráter pirotécnico. Tornou-se um mestre do aforismo e do paradoxo. Reproduzo alguns a título de ilustração: “A gente deveria ser, ou uma obra de arte, ou usar uma obra de arte.” “A ociosidade é a condição da perfeição; o objetivo da perfeição é a mocidade.” “A ambição é o derradeiro refúgio da falência.” “Os bem-educados contradizem os outros. Os sábios contradizem a si mesmos.” O paradoxo, segundo Umberto Eco em O Super-Homem de Massa, “é um jogo popular, um gênero literário menor e um gênero foclorístico maior.” Para passar ao paradoxo seria preciso seguir uma lógica e inscrevê-lo numa porção de universo. O efeito é paradoxal pois se permite-ou impõe-que se vejam as coisas consuetas para além da opinião formada: “Acredito em qualquer coisa, contanto que seja incrível”. Já o aforisma reforça a opinião formada, tal como “A vida é um palco, o elenco é que é um horror”. Que a vida é um palco, nós já sabíamos e acreditávamos, supõe o aforisma. Mas nossa informação é colocada diante de uma afirmação desconcertante: “o elenco é um horror”. O paradoxo é, a seu modo, revolucionário, requer grande curiosidade intelectual e vontade manifesta de ultraje. Um último de Wilde: “Um escritor que chama uma enxada de enxada deveria ser forçado a usá-la”. Wilde instintivamente sabia do que o público iria gostar; para a sociedade londrina da era Vitoriana, ele oferecia suas comédias elegantes, que mostravam aspectos do século dezenove. Para a Europa do art-nouveau, ele fazia Salomé, uma peça escrita no idioma simbolista, movimento que Wilde conhecera em Paris-a Paris dos anos 1890, a Paris do decadentismo, de Rimbaud, de Verlaine, Huysmans e de Jean Lorrain. Salomé é um elogio do sadismo. E foi escrita em francês. Notas de humor negro ou de um clima sinistro ou lúgubre podem ser encontradas perpassando os contos de Wilde, o Retrato de Dorian Gray e mesmo no poema A Esfinge. As duas faces de sua obra-e sua vida-também podem ser vistas como as duas faces da sociedade vitoriana: uma minoria da população vivia em afluente riqueza e construíra um império onde o sol não se punha, indo do Canadá à Austrália. A maioria dos ingleses, no entanto, vivia em ruelas tortuosas nas cidades industrais. Em reação a tal estado de coisas, o movimento socialista cresce e agita a pasmaceira. Os novos artistas ingleses se valem da crise econômica e da rebelião das classes trabalhadoras para, sem sair da zona de influência burguesa, anular o peso da tradição, alcançar maior liberdade pessoal e melhor fruição de vida. Os jovens artistas geram um movimento libertário, inspirados por Nietzsche, Ibsen, os impressionistas e simbolistas, mas não dão cor política a tal movimento. Eles não criticavam o capitalismo como sistema, e sim o filisteísmo dos capitalistas, a sua insensibilidade, o seu desprezo pela arte, a rotina de seus pensamentos e atitudes. Daí a necessidade de originalidade que experimentam, originalidade esta que se apresenta na arte como maneirismo da linguagem e gratuidade de intenções, e na vida cotidiana com a adoção de um traje incomum, acompanhado de uma postura excêntrica. A burguesia britânica, no entanto, ainda tinha força para destruir um destes novos artistas, ou dândis. Wilde, a partir da proibição pela censura da peça Salomé, havia chegado a uma espécie de limite da tolerância. Na época corriam rumores de sua ligação com Lord Alfred Douglas. Wilde permaneceria até 1895, no entanto, a provocar seus inimigos burgueses. Que num julgamento de 1895, no qual Wilde entrava acusando-de calúnia-o pai de Lord Alfred, que pretendia desgraçar Wilde por ter se ligado ao jovem Alfred, que odiava o pai. O marquês de Queensbery, no entanto, ganhou o julgamento-Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos forçados. Oscar Wilde pode ser, em matéria de correntes literárias, colocado como representante do art-nouveau. O art-nouveau inglês foi a corrente a que John Ruskin, socialista estético e William Morris, poeta e artesão, um e outro fascinados pela concepção medieval de arte, se filiaram. Morris valorizava o artesanato medieval, rejeitando a máquina, só vendo feiúra e sujeira no industrialismo. Por outro lado inculcava uma ideal de uma unidade de propósitos nas diversas artes, de que resultaria, afinal, um corretivo para aquela falta de estilização deplorada por Ortega y Gasset no realismo do século dezenove. O art-nouveau não é só um estilo de época, comum às várias artes-a arquitetura, a pintura, o desenho, as artes aplicadas do mobiliário, da vidraria, dos adereços, da tipografia, da ilustração, do vestuário, etc. Mas também “uma filosofia, uma ética e um comportamento”. Esse estilo, tão expressivo da maneira de vida da belle époque manifesta-se tanto nos edifícios de Horta, de Van der Velde ou Gaudí quanto nos desenhos de tecidos de Morris, ou nos painéis decorativos de Whistler; tanto nos vasos de Gallé ou Tiffany quanto nas pinturas ou desenhos de Valloton, Munch, Klimt, Toorop ou Beardsley; tanto nos cartazes de Toulouse-Lautrec e Mucha quanto nso móveis de Mackintosh e Serrureir-Bovy; tanto nos ornatos de ferro de Guimard quanto na “écriture artiste” de Goncourt, Gabriele D’Anunzio e Wilde. O Art-nouveau foi uma arte típica daquele longo período de paz que se estendeu desde a guerra franco-prussiana de 1870 até a Primeira Guerra Mundial. O novo movimento floresceu especialmente no campo das artes aplicadas-assim se explica o seu pendor pelo ornamento, palavra que define claramente a sua estética. Em 1891, Oscar publicou sob o nome de “Intenções”, um volume contendo quatro ensaios: A Decadência da Mentira, O Crítico Como Artista, Pena, Lápis e Veneno e A Verdade das Máscaras. Os dois primeiros, escritos em 1889 e 1890, respectivamente, eram os mais importantes e continham os frutos de centenas de conversas de salas de estúdio e salas de estar. No maior deles, O Crítico Como Artista, os personagens trocavam entre si muitos elogios, apupos e rapapés, o que irritou muito os críticos de arte. Em A Decadência da Mentira, Wilde colocava na fala de um dos personagens que os nevoeiros de Londres só passaram a ser notados por seus habitantes quando pintores e escritores falaram sobre eles. “A arte os tornou reais”, disse Wilde. E Wilde escrevia isso enquanto Gordon conquistava o Sudão, Scott explorava a Antártida e em vários pontos do mundo tremulava imperiosa a Union Jack. Wilde acreditava que a vida imita a arte e não vice-versa, como faziam os realistas/naturalistas que o antecederam. Dizia ele pela voz “clara e musical” de Vivian: “Uma das causas principais da banalidade da literatura atual é certamente a decadência da mentira considerada como arte, uma ciência e um prazer social. Os antigos historiadores apresentavam-nos deliciosas ficções sob a forma de fatos; o moderno romancista oferece-nos fatos estúpidos à guisa de ficção(...) A mentira e a poesia formam artes, artes que, como Platão entendia, têm sua conexão e requerem o estudo mais atento, a mais desinteressada devoção.(...) Mais de um jovem começa a vida com um dom exagerativo natural. Se o educam em círculos simpáticos e do mesmo espírito, ou pela imitação dos melhores modelos, pode tornar-se qualquer coisa de grande, de prodigioso. Em geral, porém, o jovem não alcança coisa alguma.(...)Acaba por escrever romances tão fiéis à vida que perdem toda verossimilhança.” Wilde tinha a preocupação da forma. Seu ideal é “de uma existência absolutamente inútil, sem objeto e sem motivo.” Seus versos seriam inspirados num nada, a obra de arte seria de um virtuosismo ao mesmo tempo brilhante e penoso. Todas as experiências deveriam ser consideradas não como um meio, mas como um fim em si mesmas. Ou, em suas próprias palavras: “Aqueles (os artistas) aos quais preocupa a beleza da forma, nada, além disso, parece importante. O que inspira a ficção é bem mais que um simples fato.” André Gide, no seu In Memoriam, descreve a época em que conheceu pessoalmente Wilde, no início da década de 1890. Wilde estava então falando por apólogos. Explicava a Gide: “Compreende que há dois mundos. O que é sem que se fale: chama-se mundo real porque não é necessário falar dele para que se possa vê-lo. E o outro é o mundo da arte; é desse que se faz mister falar, porque não existiria sem a palavra.” E contava um de seus apólogos: “Era uma vez um homem a quem amavam em sua aldeia porque contava histórias. Todas as manhãs saía de seu povo, e quando voltava, ao entardecer, cansado de haver perambulado todo o dia, agrupavam-se junto dele e lhe diziam:-Vamos! Conta-nos o que viste hoje. E ele contava:-Vi no bosque um fauno que tocava flauta e fazia bailar uma roda de pequenos silvanos.-Conta-nos mais. Que viste?-Diziam os homens.-Quando cheguei à beira do mar vi três sereias, na crista das ondas, a pentear seus cabelos verdes com um pente de ouro.-E os homens amavam-no porque lhes contava histórias.” “Uma manhã deixou sua aldeia, como todas as manhãs, mas quando chegou à beira do mar, eis que avistou três sereias, três sereias na crista das ondas, que penteavam os seus cabelos verdes com um pente de ouro. E prosseguindo seu passeio, quando chegou ao bosque viu um fauno a tocar a flauta para uma roda de silvanos...Nesse entardecer, quando voltou à aldeia, e lhe disseram como nas outras noites:-vamos!Conta, o que viste? Ele respondeu: -Não vi nada. Wilde acreditava na fatalidade do artista e que a idéia é mais forte que o homem. “Há-dizia ele-duas classes de artistas. Uns oferecem respostas, outros perguntas. Cumpre saber se acaso se é daqueles que interrogam: pois aquele que pergunta jamais é aquele que responde. Há obras que esperam e não são compreendidas durante longo tempo: é que traziam respostas e perguntas que ainda não haviam sido feitas. Pois a pergunta às vezes chega terrivelmente depois da resposta.” Uma vez em Oxford, Wilde achou aliados em dois escritores totalmente diferentes entre si: John Ruskin e Walter Pater. A única coisa que tinham em comum era o apaixonado amor à beleza. A Idade Média era o período cuja arte mais influenciava Ruskin. Para Pater era a Renascença. Suas vidas privadas também eram diferentes: Ruskin gostava de mocinhas e Pater de jovens rapazes. Ruskin era um socialista com a vaga generosidade daqueles que têem bastante dinheiro. Era escritor ao estilo de Tolstói. Seu estilo era o do velho testamento. Para Pater, a vida era um armário que devíamos decorar como o armário da moça ou do moço que amamos, enchendo-o de cores e sinfonias, trabalhos em forma de fantasia, com flores e com instrumentos musicais. Isto dez anos antes de Au Rebours de Huysmans e quinze anos antes de Dorian Gray. Todo o “socialismo estético”do fim do século dezenove derivava de Ruskin. Ele acreditava que a arte era uma moralidade. William Morris foi um de seus seguidores-e Wilde também demonstra esta moralidade em suas histórias e seus ensaios. Ela aparrece sob a forma de epigramas. Pater acredtava na arte como superior a tudo, principalmente à moral. Definia-se como esteta, aquele que coloca os valores estéticos acima de todos os outros. Outra influência foi o pintor Whistler. Ele assinalava o surgimento da vertente do Art-Nouveau na pintura, para os críticos que analisam sua obra hoje em dia. Após a prisão, Oscar Wilde publicou uma carta a Lord Alfred, De Profundis. Só foi publicada na íntegra em 1905. Junto com A Balada do Cárcere de Reading (1898) estas foram suas últimas obras. Morreu em Paris, no ano de 1900. Foi reconhecido como grande escritor a partir da montagem de Salomé na Alemanha. Atualmente é o escritor inglês mais conhecido após Shakespeare-embora os ingleses prefiram atribuir esta notoriedade toda apenas ao “escândalo”. Recentemente os gays ingleses pediram o perdão da rainha para Oscar Wilde, no que não foram atendidos.

Nenhum comentário: