domingo, 2 de dezembro de 2007

A Humanidade Gozadora

Roland Barthes tem um livro chamado A Câmara Clara onde ele analisa os mais variados tipos de fotografia. Ele afirma que toda foto tem um “punctum”, um ponto de atenção. Ele fotografava e observava os mais variados tipos de foto, não se escusando nem mesmo de analisar aquelas de conteúdo pornográfico, que descrevia como uma imagem de joalheria: a foto era como uma vitrine com uma única foto iluminada. Era como um espaço onde um pequeno rei entrava em seu palácio.
Hoje a pornografia focaliza justamente isso: um pequeno rei entrando em seu palácio, afinal o que diferencia a foto pornográfica da erótica é a imagem-fetiche da penetração. O gozo também é parte do espetáculo.
Fui estudar o sexo nessa selva de epiléticos que é o pornotube. Trata-se da versão moderno do paraíso, de um clima de consumo geral do outro, um Éden imaginário de nosso tempo. Todos se devoram rapidamente, em alguns cruciais minutos. Nesses filmes, qualquer um é ator, precisa apenas exibir e encenas seus atos instintivos e fisiológicos diante das câmeras.
Escolho um vídeo mais longo intitulado Sexo em Navio de Cruzeiro onde um rapaz com corte de cabelo militar e de porte atlético está nu junto a uma moça miúda e morena, na cama, também nua. Ele a beija na boca inicialmente. Ela beija apenas sua língua, repelindo um pouco esse beijo. Ele a segura pelos cabelos e explora suas habilidades lingüísticas.
Depois ele a coloca na cama e faz com que ela se ajeite. Ele, com um corpo maior, também se ajeita na cama, ou busca se ajeitar. Ao fundo um barulho estranho, um zumbido; não há como ver além da pequena janela. O moço com corte de cabelo militar esforça-se por ser gentil com a moça miúda, passa as mãos por seus seios, beijando-lhe a boca. Ela faz um sinal abrindo as pernas, convidativa. Nesse momento ele, num movimento bamboleante súbito com o traseiro, a penetrou. Ela coloca sensualmente a mão sobre acolhedora sobre sua cintura. Mas nesse momento, porém, há um ponto de virada, uma epifania pagã, uma revelação: ele se inclina para beijá-la mais uma vez, mas ela recusa, virando o rosto para o outro lado. Esse simples gesto revela que ela é uma prostituta. Mais adiante, o moço de corte de cabelo militar repete, entre sensual e marcial, em seus movimentos ritmados sobre o corpo da moça: seus gestos fazem lembrar um exercício abdominal.
A verdadeira amada do moço é a câmera. A filmagem é a celebração da entrada do rei em seu palácio: eternizando-a, cristalizando-a, o moço a repetirá, gozando solitário e repetidamente depois ao assistir a entrada do rei em seu pequeno nicho, em seu palácio, juntamente com sua amada câmera, que é a terceira pessoa nesse relacionamento desolado. Nos quadros do pintor espanhol Goya parecia que víamos a humanidade sofredora. No pornotube, parece que vejo a humanidade gozadora.

Videografia:

www.pornotube.com

Um comentário:

ELSON TEIXEIRA CARDOSO disse...

Meu amigo, vc é um escultor do verbo, um artífice da condição humana. Maneja a matéria bruta, extraindo o sumo da beleza. Isto é arte. Não é difícil discorrer sobre o belo; difícil é explorar a beleza encoberta, por vezes, enterrada.

Quanto ao Olavo Drummond, não precisa se incomodar. Lembrei-me dele casualmente.

Certamente, conhece "Fragmentos de um discurso amoroso", de Barthes, este seu texto lembrou-me aquele, não pela alusão ao autor, mas pelo discurso. Se, em "Fragmentos", Barthes realizou um inventário literário das inúmeras abordagens amorosas, teorizando plasticamente sobre um sentimento comum a todos os seres humanos, vc discorreu sobre de forma semelhante, guardadas as devidas proporções, sobre um produto midiático que é uma espécie de canto de sereia, o vídeo seduz e, no caso em questão, é a captação da imagem que importa, o restante, mesmo a maior das intimidades, é puro pretexto para a exibição do ser. Algo assim.

Sugiro que utilize sua percepção ensaística para produzir algo nesse estilo, uma análise mais longa sobre várias obras midiáticas, que redunde num livro. A ótica filosófica sobre o que o homem tem tornado banal.

Abraço,

Elson