sábado, 22 de dezembro de 2007

Fúria Lânguida, Rodrigo Soares Camargos

ÊNCLASE

Porque penso

Se forçosamente estou

Tal como vou

Porque penso

Se sempre esqueço de meu braço

Se sempre acordo às 6:00

Se me despenteio no vento

Porque penso

Se assim me incendeio

Se minha verve explosiva

De um sim distancia-se

Porque penso

E invento tanto

Alardeando como um santo

A faca de tais elementos

Porque me dilacero na contradição

Porque me embebedo da insensatez

Porque me esqueço do despertador

Porque penso

Pulsando por impertinência

Vagando por qualquer clemência

Anômalo

Em sua insistência

Porque penso

Porque vejo

A túnica que se desgarrou

De sua entropia

Porque penso a tristeza e a alegria

Porque não fluo

Nas inadequações do dia

Porque coleciono medos

Receios estéreis

Porque não fluo

E significo aporias

Porque não esqueço de mim?

Porque penso

E peno

Atravessando o inferno

No meu próprio umbigo

Forte

Fraco

Soberbo

Perdido

FARSA

Que se adequa a cada desafio

ESCRAVO do vazio que a cada hora crio

ESTRANHO inerte na droga do cio

Quem sou eu?

A pergunta volta

Que circo cíclico

Zomba desta pobre alma

Encontro-me devassado

Preciso de espaço

Não consigo fugir

Sinto medo

Porque sinto?

MINHA FÉ

Nos idos de 2005, encerro já os meus versos

Meu manifesto está mudo

E demasiado lúcido

Miúdo para qualquer panfleto

Meu leito esgarça-se

Meus braços expandem-se

Tudo querem abarcar

E minha fome aumenta com o tempo

Este ano de tantas esperanças

Pouco acrescentará às lembranças

Espero ao menos ter semeado

O odor dos acessos

O ocaso do tédio

Na corda bamba fui tentando aprumar

A rota do meu escancarar

Testemunha do esforço agudo a se debater

O rio de vãos sorrisos se esquecerem

E se reerguerem insólitos

Talvez numa cruzada sólida

Vestida de lucidez e força

Como uma tomada nova

Visitei incontáveis ângulos

Nem sabendo que havia tantos

E neste momento de ciência

Vejo-me exaurido

O tanto que doei é só o que ganhei

A façanha de engendrar o possível

Das entranhas do que parecia insano

Guardo no silêncio

As esperanças módicas

E me atiço viscoso ante as possibilidades

Este meu ar delirante

Ainda me fará arder

Temo morrer queimado

Por minhas paixões

(Re)encontro a dor tanta

No acabar do ano

CURVA

O noticiário da TV

Jorra peças sombrias

Envolvidas pelo ácido

De uma neo-selvageria

Pós moderna

Aviltada

Quando a frustração alimenta o sangue

E o sangue é vendido feliz

A barbárie via satélite

Novos tempos

A barbárie via satélite

E o noticiário da vida

Padece da mesma irrazão

Tanto quanto aqueles mesmos fatos mortos

A vida e a barbárie, juntos

Numa transa frenética

Os corpos mortos estão vivos

E os vivos, mortos

Seu legado fétido toma a tudo de pronto

E a carne pútrida reveste os tantos corpos belos

Pois a violência é a outra face

É o negativo

É o outro lado

Violência é tudo o que você vê não vendo

É o outdoor

São as luzes histéricas clamando atenção

Os corações excitados e exilados

São as manchas das sirenes

Rasgando a noite

É o tempo parado sobre rodas

É o calor que cobra e asfixia

É a multidão incógnita e premente

É toda promessa de frustração

Estampada em toda propaganda

É todo o tempo contado e ofegante

É todo edifício garboso esbarrando em favelas

É todo condomínio-feudo no meio do caminho

É todo império do vazio

É toda possibilidade de impossível

Todo caminho demasiado longo

É tudo isso que fazemos repetindo aceitando

É toda essência do que somos

Do que nos transformamos

Qual violência você escolhe:

Com ou sem sangue?

Há farta escolha vil nesta real constatação:

Indo nesta direção

Violência é o que lhe espera após a próxima curva


LVUÉOESRDUUX

Não consigo arrumar a bagunça que há em mim

E no mundo e em você

E agora

- me pergunto e puno

Ao não digerir estes traços inacabados de tudo

Esta bagunça Este mundo assusta

E eu não acabo a mim E ao mundo e a você Nada está acabado e ainda sim Tudo terminado em sua imperfeição

E impropriedade E

ainda sim tudo se insinua

Mas não desnuda

E a vida está eternamente preparada

Para um tudo que não se acha

E que tende mais para um nada

atejorp es odut sioP

Mas não se acarreta

Ou se desperta

Nestas eternas tendências às meras De frases inebriantes e abertas

Esse real de promessas

Imersas de sonhos mundanos

Cruzados no ardor do caos

Dessa sentença estranha

Que a ninguém encanta

O improvável do imponderável

Que se torna justiça

O salto ao vazio

Que se faz de verdade

O fio não se acha

O que afirmo se dissolve

Nesse ocre do olhar insone

Vigilante na teia de ghosts

Supernovas nauseantes

Me deixando, te deixando assim todo perdido

NÃO CONSIGO ARRUMAR A BAGUNÇA E O TURBILHÃO VAI ENGOLIR

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