terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Resenha de Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior

Resenha de Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior Formação do Brasil Contemporâneo (editora Companhia das Letras, 2017), obra clássica de Caio Prado, é um ensaio elegante, bem escrito. Mais que formação de Brasil, é formação do Brasil colônia. É considerado a aclimatação do marxismo para analisar a realidade do Brasil, mas nesse ponto deixa bem a desejar. Ele nem toca no debate dos restos feudais que fazia o seu partido. E é racista para nossa sensibilidade de 2023. Ser marxista não é pensar que “o mais importante é economia”, como parece pensar Caio. Marxismo é projeto revolucionário, projeto de emancipação. Daí que o estudo teria que enfocar como a colônia tornou-se independente, que estruturas e superestruturas agiram. Ele observou um plano gera de todo o período e abordou vários temas: sentido da colonização, povoamento, indústria, etc. O livro tem frases racistas para nossa sensibilidade do século XXI, muitas que se referem pejorativamente a índios e negros. Caio escreveu que “tudo isso lança muita luz sobre o espírito com que povos da Europa abordam a América. A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É comércio que os interessa e daí o relativo desprezo por esse território primitivo e vazio que é a América” (PRADO, 2011, p. 20). E ele insiste nesse tipo de assertiva equivocada o livro todo: a América estava vazia antes do colonizador chegar. A obra de Caio não registrou os esforços nativistas, nesse ponto esse livro foi muito fraco. Na página 28, Caio considera que o sentido da colonização foi “uma vasta empresa comercial (...) destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito de comércio europeu (PRADO, 2011, p. 20). Só que foi empreendimento estatal de um reino que era mercantilista e feudal. Chega ser irritante ler que mesmo depois da independência continuamos existindo enquanto “verdadeiros empresários, de parceria com a metrópole, da colonização do país” (PRADO, 2017, p. 132). Talvez atingido pelo vírus da indolência, Caio não conseguiu captar o horror dessa “parceria de empresários”. Ele mesmo registra como mal se podia chamar de agricultura o que se fazia aqui. A colonização aqui foi empresa de saque, inclusive predatória da natureza e ainda hoje vivemos sequelas. Caio, aliás, recorre o tempo todo a Saint-Hilaire, Koster, Martius e outros estrangeiros para falar do Brasil colônia. Até aí tudo bem, as fontes afinal, são essas. Mas ele comunga com o olhar preconceituoso desses europeus: “influxo de sangue indígena como fator de indolência” (PRADO, 2017, P. 370). Ele sempre insiste em chamar os negros e povos originários de semicivilizados e bárbaros. E não o regime escravista de bárbaro. O sul do Brasil teria sido colonizado por “brancos puros”. Ele insiste em “pureza de sangue” em oposição a mestiçagem. Caio Prado aparenta ter lido Casa Grande e Senzala, o livro foi citado, mas mesmo assim nega a contribuição civilizatória do negro e do nativo. Terá sido até ele mesmo tomado pelo vírus da preguiça que ele detectou aqui? Na mesma página, após mencionar que Gilberto Freyre afirmou ser preciso “distinguir entre o papel do escravo e do negro”, afirmou, numa passagem confusa, “mas não é impossível e, de uma forma geral, o que se conclui é que se o negro traz algo de positivo, isto se anulou na maior parte dos casos, deturpou-se em quase tudo mais” (PRADO, 2017, p. 365). Ou seja, Caio Prado simplesmente negou o que Freyre teorizou a respeito da contribuição do negro para a civilização brasileira. Falta de leitura atenta? Divergência? Indolência? Caio mesmo menciona a atitude da coroa em Diamantina, onde o funcionário responsável pela mineração dos diamantes respondia diretamente ao rei, sem passar por “empresários”. Minas tem muito destaque em fotografias, na viagem dele para cidades históricas, mas nem a Inconfidência é registrada como luta econômica – afinal, desde a guerra contra o Holanda os nacionais viram que, se tinham de organizar uma guerra com recursos próprios para libertar o país da Holanda, por que não organizar os recursos e expulsar também Portugal? Fora a questão da acumulação primitiva gerada pelo ouro de Minas, ouro esse que teve um enorme papel na revolução industrial inglesa. Embora Marx não cite nominalmente, ele fala nas riquezas chegando das colônias pelo porto de Liverpool em O Capital. Caio Prado Júnior nem debateu nesse livro a hipótese do feudalismo no Brasil, simplesmente descartou-a de forma preguiçosa. Hoje em dia sua explicação ficou tão hegemônica que a mera menção da hipótese do feudalismo passou a ser rechaçada tendo em vista a bibliografia “robusta” de Fernando Henrique Cardoso, Gorender, Maestri, Florestan e outros luminares nascidos desses indolentes “insights” de Caio Prado Júnior.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Resenha de Escravidão Colonial, de Jacob Gorender

Resenha de Escravidão Colonial, de Jacob Gorender 1.Originais mesmo no sofrimento A tese principal dessa obra é que existiu no Brasil um modo de produção singular, uma “jabuticaba” nacional, no mau sentido sempre repetido pelos nossos economistas: o escravismo colonial, uma descoberta que, segundo Gorender, está de acordo com o materialismo histórico moderno: “ou inventamos ou erramos”, poderiam ter dito os portugueses ao colonizar o Brasil. Se somos originais até no sofrimento, imagine quando independentes. Se essa ideia de um modo de produção nacional em uma nação que não era nação já é sim audaciosa, o que se segue é mais ainda: “O modo de produção feudal, dominante no Portugal da época, não se transferiu ao país conquistado". A suposição de que a transferência deveria ocorrer não é nenhum absurdo do ponto de vista do materialismo histórico. Mas para Gorender isso é apenas o passado, o “stalinismo”. Essa negação do feudalismo é uma tomada de posição na historiografia. Toma-se partido de Caio Prado Júnior contra Nelson Werneck Sodré, embora de forma muito bem disfarçada. Gorender recusa a dicotomia entre capitalismo ou feudalismo e para resolver isso cria um novo modo de produção, o escravismo colonial. Esse escravismo, diferente daquele que fez com que Platão fosse capital-dinheiro em Siracusa (não sejamos dogmáticos e nem stalinistas, ora!), no entanto, não evoluiria para o feudalismo e sim para o capitalismo, ou seja, já teria em si o embrião desse novo modo de produção. Ele “descobre” um modo de produção original inventado pela portugalidade. Se havia escravidão até na Irlanda, resta saber se até lá havia escravismo colonial. Para ele, trata-se de uma “realidade histórica nacionalmente caracterizada” num país que não era nação, embora “síntese mais universal possível” no império português. Como parte dessa originalidade, ele reivindica o termo “plantagem”, pois essa forma de plantação (plantation) para exportar teria começado nas ilhas atlânticas portuguesas e sido copiada pelos franceses e ingleses. Gorender retomaria o fio de Ariadne dessa nossa civilização luso-tropi-capitalista. Para Gorender, o servo diferencia-se do escravo porque ele tem seus próprios meios de produção, seria quase livre se não fosse um cambão aqui e uma corveia acolá. Ele pensa talvez que quando o servo trabalha a terra do senhor feudal, a terra é dele, é uma pequena propriedade e que talvez tenha havido reforma agrária na Idade Média. No afã de, quem sabe, portugalizar e “mulatizar” o materialismo histórico, Gorender recusa o ensaio de I. Stuchevski e L.Vassíliev sobre modelos de desenvolvimento histórico. Afinal, segundo Gorender, os autores fariam confusão entre escravidão, servidão e o modo de produção asiático. Faltou combinar com os russos, que consideraram a diferença entre os três inessencial. Gorender vai para o lado oposto ao desses “stalinistas”: aproxima escravidão assalariada e escravidão no Brasil colônia. Chega a citar o termo de Marx “escravidão industrial”, utilizando habilmente os seus Rascunhos (Gundrisse). Se ao citar plantation nas citações de Marx, ele assim mesmo insiste em traduzir por plantagem, talvez devesse patrioticamente traduzir Gundrisse por Rascunhos. O esforço de Gorender é em distinguir completamente servo e “escravo colonial”. Ele admite, no entanto, que a plantation (sic) tem elementos semelhantes ao feudalismo: latifúndio, povoados isolados, vontade do senhor de engenho ou fazendeiro erigida em lei. Gorender comentou a associação da plantation com algodão, fumo e café em “condições econômicas vantajosas”. Nessa linha de raciocínio, numa quase invenção da agroecologia no Brasil colônia, Gorender chega a afirmar que a cachaça era de fácil acesso às populações locais. Igualmente, éramos avançados com o “estabelecimento de produção em grande escala, a plantagem já apresentava uma divisão do trabalho avançada, se nos ativermos à técnica europeia do século XVI, divisão do trabalho não só quantitativa, mas também qualitativa”. No Brasil colônia já tínhamos, quase, agroecologia e fordismo, num êxtase da portugalidade antifeudal. Português não erra, inventa. 2. Pulando uma pinguela histórica sem guerra Mais adiante, Gorender debate o seguinte problema: é praticamente um consenso dizer que Portugal ficou para trás em relação a Holanda e Inglaterra, preso em estruturas feudais. Mas toda a linha do raciocínio dele é no sentido de nos fazer, a nós brasileiros, pular a “pinguela histórica” do feudalismo, então é preciso fazer o raciocínio no sentido inverso. Ele resolve dizendo que o avanço do mercantilismo faz com que haja progresso no sentido do capitalismo (no nosso caso), mas pode fazer com que haja retrocesso no sentido de uma nova servidão (no caso da Europa centro-oriental estudada por Engels). Como a Europa oriental participou no mercantilismo nas Américas é uma incógnita. Mas não há como negar que a generosa originalidade da portugalidade nos fez um favor ao nos possibilitar a possibilidade de pular sem guerra civil o feudalismo, essa verdadeira “pinguela histórica”. Inicialmente, Gorender postulou que nada do feudalismo veio para cá. No entanto, aceitou a hipótese de que o feudalismo ficou forte porque Portugal conquistou o Brasil, mas não exportou essa “força estranha” para cá. Como é que poderia o feudalismo atrasar Portugal, depois ficar forte quando Portugal conquistou o Brasil, para logo a seguir não ser exportado em nada para cá? Mais uma incógnita que permaneceu sem emplasto. Verdade seja dita, Gorender encontrou uma passagem no Capital que fala que o servo tem propriedade própria, é autônomo. Gorender tem de se haver com a questão do escravismo ter sido exportado de Portugal e não o feudalismo e diz que existia escravismo no Portugal continental, cerca de dez por cento da população de Lisboa era de escravos negros. Ele vai por esse caminho, depois recua: não se pode deduzir o modo de produção escravista colonial da atuação colonizadora de Portugal no Brasil, tem a originalidade luso-tropi-capitalista. Até então, ele parecia querer fazer isso, falando na “plantagem” que teria surgido, não de sua cabeça, mas das ilhas atlânticas. Há quem negue o feudalismo até em Portugal. Herculano e Gama Barros negaram ao seu país uma época feudal. O termo feudalismo, segundo Gorender, teria sido criado pelos adversários do fato social dessa maneira por ele designado. Essa afirmação carece de lógica, uma vez que dá a entender que quem é contra a ideia de exportação do feudalismo é a favor do fato social. Por isso esses autores seriam contra aproximar mercantilismo e capitalismo. Ou seja: Gorender, Caio Prado Júnior seriam a favor do feudalismo. Não deixa de ser uma hipótese pitoresca, mas atraente. O feudalismo, segundo Gorender, seria uma superestrutura, não elemento da estrutura. Ele coloca uma posição: se você for marxista, feudo tem que ser organização jurídica e política. Não basta a organização econômica. Bom, ele mesmo admite que o direito feudal aportou aqui, logo algo do feudalismo foi exportado, apenas passou por metamorfoses sociais mirabolantes, não se sabe se por Gorender ou se por nossos bispos Sardinhas famintos de dízimos. Mesmo assim, não se exigiria o mesmo rigor de todos e um Caio Prado Júnior pode ser marxista e falar em burguesia rural, segundo Gorender. Esses termos não teriam mais o significado que tinham no passado. Para ele, só depois da abolição da escravidão os camponeses brasileiros teriam “descoberto” a meia e a terça. Com certeza adoraram a novidade. E tudo graças aos elementos originais e nada feudais do escravismo colonial. A possível tradução de corveia em cambão fica de fora dessa originalidade –mas foge ao nosso entendimento o motivo. 3.Originalidade luso-tropi-capitalista Gorender diz que a mais valia na sociedade escravista é diferente da mais valia da sociedade capitalista. Ele fala em escravo como capital-dinheiro e renda feudal. Há também renda escravista industrial e renda escravista da terra. Gorender, seguindo a senda criativa da portugalidade, descobre as leis do escravismo colonial. Elas saem originais, bem no estilo da portugalidade que criou o escravismo colonial, mas igualmente bastante aparentadas com aquelas apresentadas pelo Capital de Marx para analisar a economia inglesa. Embora existam essas semelhanças, “a renda da terra no Brasil teve um ponto de partida original e uma evolução também original”. Outra hipótese curiosa: Herculano e Gama Barros proporcionaram “à revelia de sua visão teórica, os elementos factuais conducentes à conclusão, sobre a existência da época feudal na história do remo lusitano”. Tem gente que defende que o feudalismo não existe e faz com que a tese oposta ganhe força. Gorender apoia-se num tal C. R. Boxer para falar em “forma portuguesa de feudalismo”. Além de inventar escravismo singular, os portugueses inventaram um feudalismo original. Igualmente originalíssima é a terminologia a seguir usada por Gorender: “considerando o localismo peculiar ao regime feudal e as diferenciações dentro da massa camponesa, no meio da qual já se sobressai uma camada aburguesada,” ou seja, tem burguesia feudal e camponês burguês. Sem dúvida, é relaxar mais do que o Urso do Cabelo Duro na hora de definir conceitos. Gorender acredita muito na originalidade da portugalidade, mas recua diante de seus impulsos e nega que a revolução de 1383-1385 fosse a primeira revolução burguesa ou revolução popular e burguesa. Gorender não aceitou a revolução burguesa de Avis. Seria ir longe demais ao pensar na portugalidade inventando o capitalismo antes dos ingleses? Os portugueses teriam: 1) inventado o escravismo colonial, modo de produção original; 2) inventado um feudalismo original; 3) inventado o capitalismo, modo de produção hegemônico no mundo inteiro. Felizmente, ao que parece, para Gorender, nos países ibéricos, a exploração colonialista não favoreceu, mas obstaculizou o desenvolvimento do modo de produção capitalista. A sanha da portugalidade foi aplacada em sua inventividade feroz. Mas voltando: se Portugal era assim atrasado em 1500, como não exportaria feudalismo? A seguir, ao menos, Gorender ao menos admite o feudalismo em Portugal: “é um vezo de historiadores brasileiros imaginar a formação social portuguesa, que colonizou o Brasil, como sociedade urbana capitalista. No entanto – demonstrou-o Magalhães Godinho –, no ápice de sua força imperial, durante o recenseamento de 1527-1531, a população urbana correspondia apenas a 12,7% da população total do reino lusitano40. E, do mesmo autor, igualmente se infere que a estrutura da sociedade portuguesa dos séculos XVI-XVIII, nas novas condições da expansão ultramarina, cristalizou-se rigidamente segundo as linhas preexistentes da ordem feudal”. Por outro lado, ele também afirma que existia trabalho escravo na sociedade portuguesa medieval, sua fonte eram os sarracenos aprisionados. Bom, isso talvez explique a preferência da exportação do modo escravista original ao invés do feudalismo. Ou a exportação só do direito feudal. Ou simplesmente não explique nada, afinal. Gorender prossegue: “do ponto de vista mais abstrato, não há diferença entre o escravo, o servo e o operário assalariado.” Nisso, nosso teórico vai além do stalinismo que dizia que quase não há diferença entre escravo e servo, agrupando também o operário assalariado. Daí que poderíamos inovar bastante falando em mais valia aristotélica ou Platão vendido como capital-dinheiro. Os conceitos se mostram elásticos. Como o escravismo prossegue, a periodização de Brasil colônia e Brasil império passa, para ele, a não ter relevância. Ora, com o país independente, abre-se o campo para a originalidade mais profunda. Sodré é um autor que é citado bastante negativamente nesse texto, ao contrário de Caio Prado Júnior e o então prestigiado “marxista” Fernando Henrique Cardoso. Esse sim, “marxista” de boa cepa! Sodré é citado no decorrer do texto, leva um pé na bunda em pés de página, mas não é citado na bibliografia final. Gorender comenta brevemente que nos Estados Unidos também houve o salto histórico do escravismo para o capitalismo com a guerra civil, pulando a “pinguela histórica” do feudalismo. Camarada Lênin divergia, achava que houve semifeudalismo no sul dos USA. Quando pensávamos que nada do feudalismo tinha vindo aqui, vem o Gorender falando que precisava pensar na “questão do processo jurídico de repartição do fundo agrário colonial por meio da doação de sesmarias. Vejamos como foi aplicado no Brasil esse instituto do direito feudal português”. Mas veio o direito feudal português e não veio feudalismo? Mas Gorender mesmo disse que se tiver a superestrutura feudal, o aparato jurídico e político, já é meio caminho andado para o feudalismo. Difícil solução, mas nosso Gorbachev dos trópicos resolve: esse direito sofreu uma “metamorfose” social ambulante. E prossegue o nosso Procusto: “Além desse episódio, houve algumas tentativas frustradas de transplantar procedimentos feudais ao âmbito colonial.” Felizmente, diríamos, não é? Um dos fracassos do feudalismo seria justamente o fracasso do nobre Brás Cubas! Felizmente, a doação de sesmaria a esse nobre que deu nome a um emplasto famoso teve “características que não prevaleceram no regime territorial brasileiro”. É ou não é piada pronta? Felizmente, diríamos, Portugal fracassou em exportar o feudalismo. Se exportasse poderia exportar, quem sabe, mais um modo de produção único, o feudalismo português. Santa originalidade. A seguir, ficaram ainda alguns emplastos para resolver: “Cumpre agora esclarecer o caráter e a função que tiveram no Brasil certos institutos também procedentes de Portugal: o dízimo eclesiástico, os foros enfitêuticos e os morgadios.” Ficamos aqui matutando: é o direito feudal que passa por uma metamorfose social e institucional, no ânimo antropofágico de nossos bispos Sardinhas, ou Gorender quem, “raulseixisticamente”, metamorfoseia o direito feudal em outra coisa para caber em sua tese, cujo materialismo é muito mais inspirado em Procusto do que Epicuro, ouso supor? Quando Gorender confronta Sodré consigo mesmo é ainda mais doloroso. Ele cobra a Sodré lógica, justapondo duas citações. Gostaríamos de não ser dogmáticos e nem stalinistas, mas Gorender nos obriga. Por exemplo: por que não poderia haver a dissociação de feudalismo e latifúndio? Não poderia existir feudalismo com pequena propriedade? Feudalismo agroindustrial? Feudalismo em Cuba socialista? Gorender nos traz o óbvio ululante: “a grande propriedade da terra em nenhum caso explica por si só o sistema econômico. O que é óbvio e trivial, mas infelizmente passa despercebido a quem tem por dogma a associação de latifúndio e feudalismo”. A grande propriedade da terra pode até não explicar todo o sistema econômico, mas na colônia, como disse Sodré acertadamente em citação colocada em pé de página do texto, o que fez a distinção entre classes no Brasil colônia foi a propriedade da terra. Caio Prado foi perdoado em todos os conceitos confusos, mas a Sodré foi cobrado rigor. A tomada de partido é bem clara, Gorender sofisticou e tornou aceitável o que em Caio Prado era uma barbaridade: o Brasil capitalista desde 1500, a confusão de relações mercantis com capitalismo, etc. Rigor esse que Gorender não esbanja, diga-se de passagem. Conclusão Então retomo para concluir: a meu ver, inequivocamente, se falamos em feudalismo aqui é porque efetivamente somos contra o latifúndio, somos contra o fato social. Esse ponto é o mais triste, evidentemente, nessa resenha, mas foi colocado pelo próprio Gorender, pois ele e Caio Prado, ao invisibilizar o feudalismo, acabam por tomar o partido dos latifundiários, ou seja, uma posição reacionária. Gorender, então: supôs um modo de produção original exportado e criado pelos portugueses. Esse modo seria a solução para o problema do país ser capitalista ou feudal em seu tempo de colônia. Parece engenhosa solução, mas é uma tomada de partido disfarçada a favor de Caio Prado Júnior. Ele sofistica e torna aceitáveis as posições de Caio Prado. A postura de Caio levou-nos a supor que existia capitalismo aqui no Brasil enquanto não havia na Europa. Felizmente, Gorender contornou a postura que poderia ocorrer de supor não só um escravismo colonial original, quanto também um feudalismo português ou até mesmo a invenção do capitalismo, pioneiramente, na terrinha. Ao mesmo tempo, Gorender afirmou que não foi exportado feudalismo, mas enredou-se em contradições ao falar em exportação e metamorfose do direito feudal por nossos “bispos sardinhas”. O escravismo colonial, ao contrário do antigo, metamorfoseia-se em capitalismo e não em feudalismo, ao carregar, portanto, os embriões desse modo de produção. Aproveitando essa brecha, Gorender adapta as leis de O Capital e cria as leis do escravismo colonial a partir daquelas: fala-se em renda feudal, escravo como capital-dinheiro, escravismo industrial e outros conceitos que, afinal, sobrenadam em boa companhia ao lado de conceitos de Caio Prado como burguesia feudal e camponês burguês. Isso nos fez divagar em Platão vendido como capital-dinheiro e em mais valia aristotélica, afinal, não somos stalinistas dogmáticos e sim abertos a inventividades luso-tropi-capitalistas. Finalmente, podemos concluir que materialismo histórico moderno de Gorender, para lá de original, enfim, é muito mais inspirado em Procusto do que em Epicuro. Bibliografia: GORENDER, Jacob. Escravismo Colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Yuri em seu Gabinete

Yuri em seu Gabinete: Um Romance de Geração Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior Resumo O artigo é um estudo do romance de Sergei Claret, Yuri em Seu Gabinete. O romance representa as vivências da geração X, a geração dos filhos da geração 68. Concentrando-se na experiência da morte do pai fascista e nos rituais de exorcismo de um primeiro amor, ele nos apresenta uma experiência ao mesmo tempo singular e um testemunho de sua geração. Sendo assim, o romance encerra experiências simultâneas do tempo em que se passa a narrativa (1999), mas retorna ao tempo de escola, seis anos atrás, como se encerrou com a Queda das Torres Gêmeas em 2001. Nesse ínterim, divaga sobre Hitler, Beatles, Lula, Loita, Santo Agostinho e ninfetas. Palavras-chave: romance, geração, literatura, anos 2000, anos 90 1. Introdução Yuri em seu Gabinete, primeiro romance de Sergei Claret (Belo Horizonte: Editora do Autor, 2017) é um romance de geração tão brilhante e representativo quanto O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Há experiências na vida que pensamos ser individuais, mas quando passa o tempo, compreendemos que são experiências de toda uma geração. A geração, no caso, é a chamada geração X. São os filhos da geração 68. O “xis” deve-se à dificuldade em estabelecer sua identidade em contraste com a geração de nossos pais, fortemente marcados pelas mudanças dos anos 60. Em Yuri, o personagem Juliano vive aos trancos e barrancos desencontrando-se de seu grupo de dialéticos da malandragem, os quatro fabulosos: Barros Pinóquio, um fascista mentiroso; Heródoto, o professor amoral que sai com as alunas lolitas; Yuri, um teólogo de gabinete fracassado; Juliano, um suicida que segue um caminho de desajuste social e psíquico progressivo, no decorrer do romance. E faz-se analogia desse grupo com um grupo altamente significativo para a geração anterior: o fab four, os Beatles. Fabulesco e fabuloso é uma boa definição para o personagem de Juliano, acompanhado em suas desventuras pelo narrador. 2.Fragmentos Perdidos e Corações Partidos Yuri em seu Gabinete foi organizado com “fragmentos perdidos do caderno de Juliano Lhães”, O romance inicia-se com o primeiro amor de Juliano. Cantar a glória do amor puro e inocente. O primeiro amor surge ambientado em novembro de 1999, mas o que vai ser narrado foi vivido seis anos antes, portanto, em 1993, mas é passional como vivido ontem. O narrador não se distancia dos acontecimentos narrados, sempre apresenta uma reação passional diante deles: Fazia algum tempo que eu não pensava nisto. Estranho, estou mentindo de novo. Seis anos e ainda não a esqueci. Lembro da primeira vez que percebi estar apaixonado. Provavelmente eu não tinha consciência disso na época. Geralmente ninguém tem, eu acho (CLARET, 2017, p. 13). Esse romance é produto tardio dessa consciência. O fato do tom ser passional nos leva a desconfiar que essa narrativa foi, em grande parte, um esforço de compreender o que se passou, para fosse possível elaborar, e, portanto, conseguir lidar com o que aconteceu como se fosse um significante como qualquer outro. Esse romance é um refúgio para os “simples enganos engendrados pelos sentidos mais carnais e absolutos” (CLARET, 2017. p. 13). O primeiro amor torna-se difícil de esquecer, então precisa ser elaborado em forma de ficção para Juliano poder continuar a vida. Afinal, para seguir vida adiante com esse amor que retorna eternamente, que está morto dentro de si e não está, é preciso dar ele sentido, por mais atroz que seja. Se o amor de Macrina está morto em “Um Pouco Antes Daquele Beijo e...”, o segundo capítulo, intitulado “Anos Verdes ou Herois e Vilões” tratou de uma outra morte que é preciso tratar: a morte do pai. E, no caso, impossível não identificar no pai aquilo que Pasolini chamou de “os fascistas, os nossos irmãos cretinos”: E em termos particulares do cotidiano do senhor Barros, isso acontecia através de banais opiniões sobre os mais variados assuntos, até uma conversa sobre futebol que fatalmente terminaria em briga pela inexorável qualidade de levar tudo para o terreno preferido de sua verborragia: A Moral. Maconheiros e bichas um passo à frente: Pelotão, preparar, apontar: ...!!! Também compunha um conjunto de opiniões suas com a de pessoas que respeitasse; Contabilidade é um excelente curso, sendo que anos atrás não o era (...). Ou então, quando Direito era um curso de advogadozinhos porta-de-cadeia que conviviam com os lixeiros da civilização, os policiais. Pois polícia, se não fosse delegado federal ou coronel de PM, era quase bandido (CLARET, 2017, p. 39). O personagem do pai, portanto, não só está morto como já tinha morrido em vida, moralmente. É alguém que modula suas opiniões com as do chefe, que advoga a lei para quem revolta-se contra ela, mas, ao repudiar os homens da lei, repudia também a lei de forma oculta. Um pai que está mais para o Fiódor Pávlovitch de Irmãos Karamázov, um pai que morto, não deixa herança ou, como se vê acima, boas recordações. Do que esse pai morreu? De certa forma, acima há um parricídio. O pai queria matar os gays e os drogados, mas, para que Juliano possa escrever seus cadernos perdidos, o pai fascista tem que morrer, pois essa voz circunscrevia sua vida –numa falsa moral e na falsidade existencial, pois assumia a identidade do chefe – ou seja, exibia uma personalidade ao mesmo tempo fraca e autoritária. O pai é visto como um mentiroso (Sr. Pinócchio). Note-se como é sintomática a opinião do Sr. Barros Pinóquio, sobre uma figura importante para sua geração, Chico Buarque: “bicha” e “pederasta que falava mal da revolução”. Nem Chico Buarque é bicha e nem 64 foi revolução e sim golpe militar; cresce o nariz de Pinóquio, que, aparentemente fez muito bem ao descansar novamente em sua forma imaterial, em seu retorno ao chefe Gepeto. O pai circunscreve sua vida, como ao anunciar que iria dar ao filho o nome de Tyrone, mas recuou ao saber que o ator era gay. Como se dar esse nome fosse fazer o filho ser gay. A seguir, há a volta dos tormentos do primeiro amor, com a primeira troca de tapas entre Juliano e Macrina: uma cena politicamente incorreta, uma cena de violência contra a mulher. Em Sons e Cheiros, Consumindo Pessoas, novamente repete-se, depois da morte do pai de Heródoto, uma situação que confirma o ódio do pai aos policiais, que são quase bandidos: encontrando “cheiro de maconha no carro”, recuam diante da apresentação de uma carteira de pessoa ligada ao regime militar, a famosa “carteirada”, o “sabe com quem está falando” que permite que as regras sejam infringidas. Novamente, a figura do pai com essa sua moral dúbia, embora estivesse morto há pouco, circunscreve o destino desse personagem também. Ele vive sob seu signo. Sob o signo da “Moral” patriarcal, dos italianos malcheirosos e apoiadores do golpe de 64. E agora, morto o pai, o filho tornou-se um usuário de maconha, algo que o pai desejava matar. Morto o pai, o filho sai de sua Moral, de sua circunscrição. Esse capítulo, que inicia-se sob o signo de Lolita de Nabokov, apresenta um personagem análogo a essa figura: Heródoto, o professor que aprecia ninfetas e desse personagem tragicômico emerge a ligação com a memória do primeiro amor, novamente, as lembranças prazerosas de sexo e música com Macrina. As brincadeiras em si parecem comunicar mais do que seus diálogos, muito próximos de monólogos superpostos. E essa desconexão ocorre em diálogos seja políticos e amorosos. E há, nesse capítulo, a reflexão hilária e bastante sintomática sobre sua geração: Dois Beatles estão mortos:: talvez sejam problemas de nosso tempo: o fim do século, a crise da razão ou se fazerem tão poucos filmes em preto e branco. Quais são os expoentes da nossa geração? Onde estão os beats destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus? Onde? Onde? Onde? Svul Avrum possuía tantos expoentes amigos, fazendo tanto, fazendo tudo. Meu Deus, será o que o chip venceu?, não estou falando do Deep Blue, é bem pior; nós já nascemos datados, somos anacrônicos antes de uma geração, é a maldita falta de perspectiva temporal; a maldita crônica jornalista que acha que qualquer tempo, mesmo meses, constitui uma Era; na verdade, o espírito de nosso tempo: época em que se dá nome a furacões e tornados, ou simplesmente nos dias do making of..! –e pensar que tudo por causa do relógio com seu tique-taque fatiador. O que restou ao homem além de sua própria carne? A instrumentalização do que era o Grande Jogo. Alguém consegue pular sua própria sombra? Damos cambalhotas em vão! (CLARET, 2017, p. 125) Um intertexto enigmático aqui é o poema Uivo, de Allen Ginsberg, que apareceu aqui com o codinome de Svrul Avrum. Ginsberg foi uma referência para a geração anterior. Daí a pergunta sobre a identidade da geração seguinte: quais são seus expoentes, quem são os beats dentre os filhos de 68? Pouco antes dessa passagem acima, que começa com conceitos sociológicos e termina em delírios surreais, ocorreu um debate de mesa de bar a respeito de Lula, Fernando Henrique Cardoso, corrupção e o PT. Como Macrina e Juliano superpõem monólogos amorosos, Yuri, Barros Pinóquio (que evoca a sombra do pai reacionário morto) e Juliano falam ao mesmo tempo, disparando frases num caos em que ninguém ouve o outro. E isso é bem o espírito do tempo, não de 1999, quando o narrador situou o período em que o romance foi escrito, mas de 2017, das ruínas da era Lula. “Só resta lembrar que qualquer passado é prólogo, e que tudo já foi sampleado” (CLARET, 2017, p. 127). Ao mesmo tempo, o passado, afirma, não pode ser desfeito. Essa frase é bem típica de um processo recorrente: a narrativa mesma desfaz ou fragmenta o que ela mesma apresenta logo em seguida ou em algumas passagens mais adiante. Ela fala do sagrado, de Santo Agostinho, bem como dos ímpios, mas ela mesma, que recusa os ímpios, é impiedosa. Mas o que é o sampler, senão esse desfazer para recriar? Esse romance vale-se da estética fragmentária do sampler. Ele sampleia Beatles, a seguir faz uma colagem usando Santo Agostinho, reclama da crise da razão para logo em seguida fazer o elogio do prazer do corpo (hedonismo) como tudo o que restou e da desrazão em frases nonsense. O passado não pode ser desfeito, mas é preciso selecionar, no romance, alguns momentos desse passado que sejam significativos para uma geração. O romance debate-se com esse dilema e daí intercala: 1) Lolita e a depilação feminina; 2) “diálogos” políticos sobre o governo Lula; 3) plano de ensino de História em escola; 4) “diálogos” amorosos; 5) Peça teatral dialogando com Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdã; 6) Memórias do Onze de Setembro. Isso mostra como a narrativa concebe os seres humanos, em especial seus personagens, como compósitos e bizarros. A narrativa tem um estilo e uma concepção de mundo. O fim, por vezes, é o prólogo e Macrina está sempre sendo aguardada em sua volta de Londres. Ele pinça aqui e ali referências e conceitos de inúmeras épocas históricas passadas. Sua concepção de mundo é ao mesmo tempo singular e simultânea: os personagens escutam For no One, dos Beatles, assombrados por guerras entre Roma e Cartago. Macrina, amor impossível, não obstante, sempre retorna com uma entrada espetacular. Sem dúvida, em certa altura, pode-se perguntar: o que Yuri pensa em seu gabinete? O fato é que ninguém é “de gabinete” dentre os personagens apresentados nessa narrativa. A narrativa apresenta sua própria luta por alcançar uma concepção de mundo unitária. E nesse ínterim, Lula mistura-se com Lolita, Santo Agostinho está a milímetros de debates ímpios sobre pelos do púbis, a loucura coloca em cópula alucinada entre o general Aníbal e os Beatles, Hitler, o Onze de Setembro e Louise Brooks. Divaga-se com a mesma facilidade sobre filmes, fumar maconha e sobre o nascimento de Jesus; um mesmo personagem repassa mentalmente pensamentos sobre a morte do pai, o primeiro amor, haxixe, PM e teologia. O romance partiu da ideia de que nós, geração X, somos seres especialmente bizarros e compósitos. Juliano e Yuri são fixados numa musa dos anos 20, Louise Brooks. São anacrônicos em relação à época em que vivem, voltados para uma musa do passado. Uma passagem mais adiante nos fornece qual foi a matéria-prima desse romance: Quando Juliano desceu as escadas para abrir a porta do pequeno hall, ela [Macrina] simplesmente jogou uma sacola de plástico no chão, espalhando diversas cartas, fotos e os restos de algumas rosas há muito falecidas. Ao longo de seis anos ele estabeleceu as bases de seu ritual: lia e relia cartas e cartões, poemas e pequenos bilhetes de amor. Na ordem em que foram escritos e postados ou aleatoriamente. Ele ria e chorava. Pedia perdão e se masturbava (CLARET, 2017, P. 138). O romance parece composto desses fragmentos perdidos de um algum ritual de um amor morto, é celebração e lamento, despedida e desejo de um eterno retorno do mesmo: cartas, cartões, bilhetes de amor, poemas dessa dialética: riso/choro, perdão/masturbação. E, curiosamente, a seguir, há ainda um novo reencontro –ou seria melhor dizer recaída -- desse amor, depois de Macrina ter terminado um casamento (e já não é a mesma paixão). E essa intensidade de amor está bem próximo do momento em que Heródoto, professor que amava Lolitas, reencontrou Juliano e ambos escreveram um estudo sobre “História Contemporânea e o Ensino de História”, transcrito a seguir. Ele tratou, de forma sistematizada, de algumas das questões com as quais todo o romance ocupou-se de forma assistemática: “o tempo de hoje (contemporâneo) é mais familiar a vocês do que, digamos, o tempo do Hitler, dos Beatles e do telefone público que utilizava ficha de metal, concordam?” O texto, aparentemente didático, indaga-se se causa e efeito estão somente no sujeito que olha. Esse questionamento parece ser seguido à risca romance afora. Aliás, tal assertiva parece ter sido transformada, ora em técnica, ora em dogma da narrativa. Vejamos uma passagem desse mesmo capítulo: E, naquele dia, como que sugerindo uma nova Era, foram três os filmes: Rio Violento, Dolls, Matadouro 5; também à noite, foram vistos pelas ruas de bhz três fantasmas, e quando uma leoa fugida do Zoo, pariu no relógio de Sol próximo, foi o fim! E o cristo retornou! Bem, é verdade que Yuri estava exagerando nas imagens de uma mente triste (CLARET, 2017, p. 164). Quem são os fantasmas, os personagens Heródoto, Barros Pinóquio e Juliano? São John, Paul, George? Pois eles têm algo de fantasmagórico, são homens da mesma geração, mas fundem-se com a visão de mundo subjetiva do narrador. Parece-nos, portanto, que a relação de causa e efeito é abolida em prol daquilo que o narrador julga, subjetivamente, seria causa e efeito para ele, em seu mundo “singular” –sem regras que sejam coletivas. 3.Belo Horizonte, Ano Zero O início (o amor romântico) retorna, mas esse amor atirou flores mortas, embora esteja aceso sexualmente. Tanto que há um progressivo descolamento das regras: na infância houve um estranhamento com a família do pai nas viagens, nas pescarias. Descolamento da realidade, inclusive. Depois da morte do pai, esse processo de colisão com as regras sociais acelera-se e espraia-se para todos os personagens: o Tavares adepto do regime militar dá carteirada na PM bandida, Heródoto é professor e apaixonado por ninfetas, Juliano, que ainda há pouco estava usando maconha ao lado de Tavares que dirigia, discorre didaticamente sobre planos de ensino onde misturam-se Hitler, Beatles e o telefone de ficha, bem como aqui e ali emergem, em meio ao caos da ausência de causa e efeito, instruções sobre como fumar haxixe com cheiro de côco na Savassi ao lado de um PM. Juliano também tem sua própria moral, mas não é a moral patriarcal ou social, é uma moral singular, individualista, hedonista. Esse capítulo intitula-se, bem sintomaticamente, Belo Horizonte, Ano Zero ou Delenda Est Cartago. A Queda das Torres Gêmeas em 2001 surge como um momento que marca uma geração. No entanto, esse evento é antes de mais nada um evento espetacular, um evento de mídia, é mais do mesmo. Morreram 2000 pessoas nessa Queda das Torres, mesma quantidade de pessoas que morreram na invasão do Panamá pelos Estados Unidos em 1989. O narrador demonstrou saber, enfim, que para Juliano exorcizar esse primeiro amor, é preciso que Macrina não mais retorne de forma alguma. Ela de certa forma encarna o mito do eterno retorno, mas sob uma forma não libertária, opera na lógica do pesadelo. Não há como prosseguir com as flores mortas e os rituais durante mais tempo. Na verdade, as imagens que fascinam o narrador onisciente emergem ao mesmo tempo tanto do tempo dos Beatles, quando do de Hitler, como também da Idade Média e da Antiguidade. O personagem aparentemente vaga entre essas imagens, como entre rosas mortas, cartas e bilhetes de amor morto. Assim, está sempre retornando de novo a 1999, temendo que o fim do mundo ocorra ao anoitecer. Esse tipo de vertigem parece percorrer todo o livro: se o fim dos tempos ocorrer num anoitecer, num só dia viveremos da Antiguidade até o fim do milênio. O romance parece animado por essa lógica joyceana. Uma cena não prepara a outra organizada em causa e efeito: há desde o amor em monólogos superpostos quanto uma narrativa que, rarefeita, é tecida com imagens desses vários tempos históricos superpostas: há mais cambalhotas em busca de sombras do que vasos comunicantes propriamente ditos. E, na verdade, essas imagens de uma mente triste chegam todas ao mesmo tempo em 1999. A mente triste busca avidamente um sentido, laboriosamente o constrói, embora seja perseguido pela condenação emitida no livro de Milan Kundera, a propósito de mito fundante dessa narrativa: a vida não tem sentido. Como em Cartago, todos os amores são impiedosos e cantam ao mesmo tempo em nossos ouvidos. 4.Conclusão O romance Yuri em seu Gabinete é brilhante um romance de geração, ou melhor, apresenta os dilemas e dilaceramentos de uma geração, a geração dos filhos de 68. O romance apresentou algumas questões que trabalhamos aqui: simultaneidade de referências culturais em vários tempos e épocas, na luta por dar sentido e transcendência ao cotidiano e a acontecimentos tais como o primeiro amor e a morte do pai. A forma como essas referências chegam é sob a forma de imagens, em grande parte “fragmentos perdidos”. O objetivo das “imagens tristes” é dar consciência do tempo e buscar uma identidade. 5.Bibliografia: CLARET, Sergei. Yuri em Seu Gabinete. Belo Horizonte: Editora do Autor, 2017.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Uma carta de Wulcino: Serrarana

Uma carta de Wulcino: Serrarana No ano de 2009 recebi o livro Bravuras e Bravatas de um Caipira, Novas e Velhas Histórias, de autoria de Wulcino Teixeira de Carvalho. A obra foi reeditada com o nome de Serrarana (2014). Escritor talentoso e ousado, ele avança além de Guimarães Rosa. E usa com brilhantismo o dialeto caipira para poder redigir essa bela obra satírica. Um exemplo de um capítulo intitulado O Almoço Caipira: "...saiu um bitelo dum tamanduá-bandêra de metro e vinte de artura, da pelage grossa, o rabo todo ispanado, o fucinho cumprido, a língua gosmenta, e cada garra afiada nos dedo qui mais paricia ponta de faca de sangrá porco. A Grorinha só iscuitô quando o Uóchito falô: - Óia só qui gracinha, mãe! Ele é tão mansinho qui invém inté com os braço aberto, quereno me abraçá! - Quando oiô pa tráis, só deu tempo da Grorinha gritá: - Jesus seja lovado!!!" Eu sempre quis saber por onde andava esse brilhante artista, daí que lhe escrevi uma mensagem sucinta e em retribuição recebi uma bela carta: Olá, professor Lúcio, prazer falar com você. Bem, eu nasci em Bom Despacho/MG há muitos anos atrás. Sou filho de Wandick Teixeira de Carvalho e de dona Eunice. Portanto, sou descendente dos Coimbra pelo lado de minha mãe. Meu avô materno foi o maestro Coimbra que regeu a orquestra e a banda de música do 7º Batalhão durante muito tempo. Meu pai era dono do Cine Theatro Odeon, primeiro cinema de Bom Despacho, e também da primeira rádio local, sendo, portanto, um empreendedor cultural da cidade. Pelo lado do meu pai, são meus parentes as famílias Carvalho, Teixeira e Campos. Pelo lado de minha mãe, herdei dos Coimbra o DNA musical. Fui o ganhador do Primeiro Festival da Canção Bom-Despachense e recebi das mãos do prefeito Antônio Leite um prêmio em dinheiro pelo primeiro e segundo lugares do Festival, pois concorri com duas canções: Mundo Imaginário e Quando, que foram as vencedoras. O troféu que ganhei no Festival da Canção encontra-se no museu da cidade juntamente com a letra da música vencedora, exposta numa moldura que mandei confeccionar. Nos tempos dos bailes de carnaval nos salões do saudoso Clube Social de Bom Despacho, compus algumas marchinhas para os blocos carnavalescos Damas e Valetes, Bonecas de Luxo, As Choronas, etc. Sou formado em Administração de Empresas e Psicologia empresarial e clínica pela UFMG. Atualmente ocupo um cargo executivo na Empresa Mineira de Comunicação, empresa pública do Estado de Minas Gerais vinculada à Secretaria de Cultura. Minha incursão pela literatura se deu há muitos anos atrás, quando escrevia para o Jornal de Negócios de Bom Despacho e para o Correio Itabirano de Itabira. Além do livro que publiquei, cuja nova edição (4ª edição) traz o título de Bravuras e Bravatas de um Caipira da Serrarana, alusão ao afamado Sagarana de João Guimarães Rosa, um dos meus trabalhos literários mais conhecidos em Bom Despacho é a trilogia composta pelos poemas: Confesso que vivi... em Bom Despacho, Retorno à Terra Natal e Festa do Bom-Despachense Ausente, obra mnemônica onde revisito o passado de nossa terrinha, resgatando nomes dos doutores, dos padres, dos loucos, dos mendigos, das moças bonitas, dos militares, dos taxistas, dos comerciantes, dos carroceiros, dos abastados e dos humildes de nossa querida Bom Despacho de antanho. Por esses trabalhos recebi uma placa da Academia Bom-Despachense de Letras, que muito me envaidece. Coincidentemente, irei a Bom Despacho amanhã para doar alguns livros de autores Bom-Despachenses para a Biblioteca Pública da cidade, inclusive uma raridade escrita por Sebastião Etelvino, que conta toda a história da construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Despacho. O autor dessa obra, inclusive, é filho de José Etelvino, o arquiteto de Deus, mestre-de-obras que comandou os trabalhos de edificação das igrejas de Bom Despacho, Moema, Martinho Campos, Oliveira e de outras cidades. Bem, acho que é isto. Continuo à sua disposição. Receba meu abraço fraterno. Wulcino Teixeira de Carvalho

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

QUEIME OS CANAVIAIS!!!

Queime os canaviais! Notas sobre a Economia Política de Cuba Parte 1 Por Rudi Mambisa Nota: Este artigo foi publicado originalmente em A World to Win em 1989. Esta versão em texto foi produzida por meio de reconhecimento óptico automático de caracteres (OCR) a partir de uma versão em PDF digitalizada encontrada hospedada em bannedthought.net (um excelente recurso) e não foi revisada para erros de transcrição. A parte 2 deste artigo está disponível aqui . Ver também sobre este mesmo tema Cuba: a evaporação de um mito – da revolução anti-imperialista a peão do social-imperialismo * * * O seguinte é o primeiro de uma série de duas partes. Esta parte centra-se na forma como Cuba se tornou dependente do açúcar e como o açúcar transformou os rebeldes de Castro nos seus guardiões armados. A segunda metade abordará as consequências, examinando o desenvolvimento global da economia cubana nos últimos trinta anos, a questão da “ajuda” soviética e o conceito de “socialismo dependente”. – Um mundo para vencer Introdução: a “Touristroika” de Castro O clima em Cuba hoje é sombrio. O problema é mais do que apenas tempos difíceis, embora os tempos sejam difíceis em Cuba. Há também a questão de para onde o país está indo. Uma década de “racionalização” que resultou num emaranhado de três milhões de normas de trabalho (mais do que o número total de trabalhadores) e taxas por peça e escalas salariais definidas de acordo com a rentabilidade da empresa ou da brigada de produção não conseguiu evitar a estagnação económica que outrora existiu. novamente ultrapassou a economia de Cuba.[1] Os cortes nas rações de leite e de carne e os preços mais elevados dos transportes e de outras necessidades seguiram-se na sequência da actual campanha de “rectificação” de Castro, cuja roupagem retórica de “construir o socialismo através de incentivos morais” não consegue esconder a semelhança com o padrão ordenado pelo FMI. contenção, com a redução das importações e a promoção das exportações para pagar aos credores estrangeiros. Dizia-se que Castro parecia taciturno durante a visita de Gorbachev a Cuba em abril de 1989. Gorbachev parecia estar se divertindo. Embora poucos detalhes das suas conversações tenham sido anunciados, a ideia geral é que Cuba terá de celebrar contratos específicos com empresas soviéticas, que por sua vez estão sujeitas à “contabilidade de custos”, com o resultado de que os acordos económicos soviético-cubanos serão revisado peça por peça e pode-se esperar que cada um de seus componentes individuais apresente lucro. A economia de Cuba funciona assim: Cuba produz açúcar. A URSS compra a maior parte a um preço fixo, pagando parcialmente em petróleo soviético. Cuba vende o petróleo no mercado mundial, juntamente com o restante da sua produção de açúcar. Depois Cuba utiliza a mistura de rublos e dólares para importar alimentos e outros materiais e produzir mais açúcar. Agora, com os preços do açúcar e os preços do petróleo baixos simultaneamente, parece que mais dólares são indispensáveis ​​para fazer com que o investimento de capital soviético em Cuba seja mais rápido. “O turismo é muito mais lucrativo do que o petróleo”, exclamou recentemente Castro,[2] como se tivesse acabado de fazer uma descoberta incrível. Para muitos cubanos, isto deve parecer um pesadelo recorrente. A “segunda colheita” do turismo, como costumava ser chamado o complemento da dependência açucareira de Cuba, deveria ter terminado juntamente com a dominação dos EUA. Em Havana, em 1959, 100.000 mulheres – mais de 10% da população total da capital – encontraram trabalho como prostitutas, lotando certas ruas tão densas como um mercado de gado, juntamente com os milhares de motoristas de táxi, mendigos e outros que aguardavam empresários, turistas e marinheiros americanos. O jogo foi a indústria de maior crescimento da ilha. Em 1959, 300.000 visitantes norte-americanos, canadenses e europeus vieram para servir, entreter e servir aqueles que a economia açucareira gerava “excedente”. Em 1988, com, é verdade, um pouco mais de ênfase nas praias, Cuba atraiu 225 mil turistas canadenses e europeus. O governo cubano espera arrecadar dois milhões por ano até o final da próxima década. O gigante hotel Hilton, do qual os cubanos negros foram outrora excluídos, mais tarde simbolicamente utilizado para a Conferência Tricontinental de 1966, onde Castro denunciou tanto os EUA imperialistas como a China revolucionária, está novamente repleto de casais bem alimentados e atordoados pelo sol de Milão e Montreal. Os cabarés das coristas, outrora um símbolo odiado da subjugação de Cuba, estão novamente a exibir a brilhante degradação das mulheres cubanas para diversão dos grandes gastadores estrangeiros bêbados. As discussões contratuais estão em andamento com o Club Med.[4] Após trinta anos de pouca construção de novas habitações, nos próximos cinco anos serão construídos dezenas de milhares de quartos de hotel e casas de férias e todo um novo aeroporto internacional, financiados por empresas conjuntas criadas com investidores europeus. Uma canção atualmente popular protesta: “O dólar é mais importante que o povo cubano”. A única coisa que muitos cubanos pensavam certamente ter sido alcançada, o fim da humilhação do seu país às mãos dos EUA, parece agora estar à venda. Os cubanos dizem que Castro tem a sua própria versão da perestroika: “touristroika”. Um documento do partido cubano de 1988 alerta para “estados de opinião que reflectem descontentamento, preocupação, incompreensão e irritabilidade” entre o povo cubano e dá grande ênfase a medidas para controlar “a persistência de manifestações de indisciplina laboral e social”. protestar contra a falta de moral e entusiasmo popular. As anedotas de visitantes recentes são mais pungentes sobre o cinismo prevalecente em relação ao governo. A “ajuda” prestada a Cuba pela URSS durante quase trinta anos custou a alma a Cuba, como veremos, mas comprou uma certa estabilidade (cujo conteúdo também examinaremos). Agora, quando há todas as razões para acreditar que a perestroika de Gorbachev irá trazer mais dificuldades a Cuba, mesmo isto é duvidoso. “Se restasse apenas um país socialista no mundo”, disse Castro numa recente reunião fechada do partido cubano, “seria Cuba.”[6] Mas esta fanfarronice fere o homem que a exerce. Uma vez admitida a possibilidade de a URSS deixar de ser socialista, então mesmo aqueles que rejeitam o nosso argumento maoista de que a União Soviética já tinha restaurado o capitalismo quando Castro aderiu a ela teriam de questionar a sabedoria de uma política cubana de trinta anos para tornar a ilha dependente da URSS. Como apontou um “diplomata estrangeiro” não identificado (provavelmente soviético), “Castro precisa de Gorbachev muito mais do que Gorbachev precisa dele.”[7] A feiúra do futuro de Cuba, agora flutuando à superfície dentro e fora do país, evoca uma questão subjacente. : como ficou assim em primeiro lugar? Como o Sugar criou Cuba Não havendo Deus, coube ao açúcar criar Cuba. Já havia gente na ilha muito antes da chegada do açúcar, mas a ilha ainda não era Cuba. O açúcar mudou a sua face e criou o seu povo, cuja história é uma história de revolta e guerra contra as relações de produção em evolução e outras relações sociais que surgiram em consequência e deram ao açúcar o seu terrível poder. Os europeus trouxeram a cana-de-açúcar da Índia para as Índias Ocidentais no século XVI, juntamente com os escravos africanos para cortá-la. Por sua vez, o comércio destas duas mercadorias foi uma força motriz no desenvolvimento do capitalismo e no seu triunfo político na Europa. Em 1793, os escravos revoltaram-se no Haiti e expulsaram os senhores de escravos franceses. A longa agitação política e o conflito entre as potências coloniais naquela ilha trouxeram mais colonos que fugiram para Cuba e um enorme impulso ao que até então tinha sido um desenvolvimento lento naquele país. Todo o século XIX foi um longo boom do açúcar em Cuba. O açúcar comandou a derrubada das florestas tropicais, assim como anteriormente exigiu o extermínio dos nativos caribenhos que resistiram ao trabalho forçado. Poucos vestígios da vida original da ilha restaram, exceto alguns nomes de lugares que já não se pareciam com os locais que lhes deram o nome. A mercadoria açúcar foi enviada para a Europa, onde foi transformada em dinheiro, o dinheiro foi para África, onde se tornou escravo, e os escravos foram enviados para Cuba e outros lugares do Novo Mundo, onde foram moídos para produzir mais açúcar. No século XIX, Cuba era o principal destino dos africanos que tiveram o azar de cair nas mãos dos brancos. Cerca de 600 mil africanos foram trazidos para Cuba entre 1512 e 1865, a maioria deles depois de 1820, quando o comércio internacional de escravos foi supostamente proibido. No entanto, a população negra e “mulata” de Cuba em meados do século XIX não era mais do que metade desse número.[8] Os canaviais mataram africanos após sete a dez anos de trabalho. Segundo relato escrito na época, escravos e escravas trabalhavam de 19 a 20 horas por dia, seis ou sete dias por semana. A maioria dos proprietários considerou mais rentável renovar a sua força de trabalho através de compras constantes, em vez de permitir aos escravos algumas horas por semana longe do campo para fins de reprodução. As mães escravas geralmente praticavam aborto ou infanticídio em vez de gerar filhos como escravos.[9] Os brancos pobres tendiam a trabalhar com café e especialmente com tabaco. Somente na segunda metade do século XIX é que os europeus começaram a chegar em grande número, juntamente com os chineses trazidos como mão-de-obra forçada. No início do século XX, mais mão-de-obra encadernada foi trazida da Jamaica e do Haiti, bem como índios de Yucatán do México. A população de Cuba hoje não é tão negra como algumas ilhas vizinhas (as estimativas variam de um terço à maioria, dependendo do critério dos autores). Mas o ritmo a que os africanos foram levados a renovar a população de Cuba, a longa vida deste comércio de escravos (até cerca de 1880), a abolição tardia da escravatura (1886) e o facto de colonos brancos posteriores terem chegado a um país que durante muito tempo era maioritariamente o negro fez da emergente nação cubana uma filha da África, estuprada pelo senhor de escravos. Até hoje, aspectos da língua, da religião e de outras características culturais das massas cubanas, especialmente entre os pobres e sobretudo no campo, são facilmente identificáveis ​​como os dos iorubás e de outros povos da África Ocidental. Na verdade, estas características culturais, até certo ponto, marcam os cubanos de todas as cores. Pela lei espanhola e pela religião católica, era proibido bater em bois, mas não em escravos. Os escravos precisavam ser espancados porque se revoltavam. Muitas vezes eles atearam fogo nos canaviais e fugiram para as montanhas. (Esta foi uma das razões pelas quais os frágeis grãos de café e especialmente as folhas de tabaco eram mais frequentemente tratados por mão-de-obra livre.) Grandes revoltas organizadas ocorreram em 1795 e 1844. A libertação da escravatura não poderia ser imaginada sem a derrubada do regime proprietário de escravos apoiado pelos espanhóis. A partir de 1868, os cubanos iniciaram uma guerra de dez anos pela independência e emancipação. A Espanha enviou um quarto de milhão de soldados para reprimir um milhão de cubanos. Em 1880, outra grande revolta eclodiu e foi reprimida. Em 1895, guerrilheiros negros e brancos sob o comando de um general negro lançaram mais uma guerra, que desta vez foi bem sucedida. . . excepto que, na véspera da vitória, os EUA declararam guerra a Espanha e arrebataram as colónias espanholas de Cuba, Porto Rico, Guam e Filipinas. As tropas americanas invadiram Cuba com a dupla missão de dar o golpe de misericórdia final à Espanha e evitar que a ilha se tornasse uma “república negra”. O vitorioso exército rebelde cubano foi impedido de entrar nas cidades e dissolvido. As tropas dos EUA ocuparam a ilha de 1898 a 1902. Antes de partirem, escreveram na constituição deste país supostamente independente a Emenda Platt, uma disposição que permite aos EUA intervir em Cuba à vontade. Uma nova lei que exigia escrituras de terras num país onde pequenos camponeses cultivavam terras individuais ou comunais sem título permitiu às empresas americanas que compraram as plantações de açúcar expulsar aqueles que atrapalharam a expansão gigantesca das terras açucareiras necessárias para alimentar as novas usinas de açúcar mecanizadas. Para proteger este modo de vida, as tropas americanas invadiram novamente em 1906 e permaneceram três anos. Invadiram uma terceira vez em 1912 e novamente em 1917. Desta vez permaneceram cinco anos, até estabelecerem um exército cubano e figuras políticas que governariam em seu nome. Mais tarde, em troca de permitir ao açúcar cubano um lugar preferencial no mercado dos EUA, Cuba retirou todas as restrições e direitos sobre as importações dos EUA. Além disso, os EUA arrebataram Guantánamo, no extremo leste da ilha, onde ainda detém uma importante força naval. base. Mais tarde, os EUA utilizariam Guantánamo para fornecer bombas e napalm ao governo cubano para combater os rebeldes de Fidel Castro; hoje, aviões dos EUA estacionados em Guantánamo poderão sobrevoar Santiago de Cuba, a segunda cidade da ilha, em três minutos. Durante séculos, a rentabilidade do açúcar dependeu da escravatura, embora fosse uma escravatura ao serviço do mercado mundial capitalista emergente e, por sua vez, a Cuba escravista foi profundamente penetrada pelo capitalismo. Em meados de 1800, a capital de Cuba, Havana, era a terceira maior cidade das Américas, atrás apenas de Nova Iorque e Filadélfia. Cuba foi um dos primeiros países do mundo a ter um sistema ferroviário nacional, quase ao mesmo tempo que os EUA e muito antes de Espanha, o seu proprietário colonial. Na verdade, as cidades de Cuba, repletas de investimentos dos EUA que começaram a fluir no final do século XIX, estiveram entre as primeiras do mundo a serem iluminadas por luz eléctrica. Mas as ferrovias deveriam transportar cana, não pessoas; as luzes iluminavam os bairros urbanos habitados por proprietários de plantações, comerciantes e seus empregados urbanos, e os clubes de campo, clubes náuticos e discotecas dos americanos, e não as cabanas, barracos e barracões sem janelas no campo. Quando finalmente a própria rentabilidade do capital em Cuba exigiu a abolição da escravatura em prol da mecanização das fábricas, o rápido desenvolvimento que a ilha sofreu não foi o desenvolvimento do capital cubano, mas do capital americano em Cuba. Cuba não desenvolveu uma agricultura que pudesse alimentar os trabalhadores industriais e abastecer a indústria e uma indústria que pudesse, por sua vez, abastecer a agricultura e o resto do mercado interno. Em vez disso, tornou-se cada vez mais um país onde praticamente nada era fabricado e pouco mesmo armazenado. Quase tudo o que utilizou veio nos cargueiros, nos ferries e nos voos dos EUA, a 150 quilómetros de distância, e quase tudo o que produziu foi enviado de volta aos EUA na viagem de regresso. Dizia-se que o distrito industrial de Cuba ficava em Nova Iorque, o seu distrito de armazéns em Miami e a sua central telefónica ligava Havana e os EUA muito mais do que Havana e qualquer outro lugar em Cuba. Os imigrantes da década de 1920 trouxeram consigo o marxismo revolucionário. Surgiu um Partido Comunista, parte da Internacional Comunista. O partido liderou greves e outras lutas e até insurreições na década de 1930, quando apelou à organização de sovietes (conselhos revolucionários de trabalhadores) entre os trabalhadores das fábricas. Mas em vez de se centrar nos camponeses e nos trabalhadores dos campos como aliados da relativamente pequena classe trabalhadora industrial nos moinhos, nas fábricas de charutos e nos portos, o partido olhou para outro lado. Acabou apoiando um fantoche instalado pelos EUA, o ex-sargento e agora general Fulgêncio Batista, em nome da aliança contra o fascismo. Durante o período da frente única internacional contra as potências fascistas na 2ª Guerra Mundial, o Partido Comunista entrou no governo de Batista. Quando os EUA fizeram com que Batista rompesse essa aliança, depois de vencida a guerra, o partido passou a ser uma força revolucionária. Em vez de o partido assumir a responsabilidade de lançar e liderar a luta armada, em Cuba foi o autodenominado seguidor da “democracia jeffersoniana”, Fidel Castro,[10] quem pegou em armas para derrubar o governo Batista. Diferentes classes opuseram-se ao status quo em Cuba por diferentes razões. Uma classe que entrou em forte conflito com o governo Batista e o sistema de plantação que ele representava foram os colonos, produtores terceirizados que arrendavam ou compravam terras, contratavam trabalhadores e forneciam cana para as usinas. Muitos eram capitalistas rurais em cujas mãos a terra era usada de forma muito mais produtiva do que as imensas extensões de terra directamente nas mãos dos proprietários de moinhos, para quem monopolizar a terra era muitas vezes mais importante do que cultivá-la e que deixavam grande parte das suas terras ociosas. Mas estes colonos viram-se amarrados a todo o tipo de restrições impostas pelos maiores proprietários de plantações e moinhos. O capital cubano surgiu e viu-se encurralado noutras esferas da agricultura e da indústria. O pai de Castro era um imigrante espanhol que se tornou um colono de sucesso. O próprio Fidel Castro era advogado – na Cuba despótica e agrícola havia dez vezes mais advogados do que agrônomos – e líder do partido burguês da oposição. Houve uma confluência de diferentes correntes de oposição. Noutras condições, se tivesse existido um partido comunista com a linha e a capacidade de liderar a luta contra o imperialismo e os proprietários de terras e compradores cubanos a ele ligados, poderia ter tirado vantagem de tal oposição burguesa. Em vez disso, a oposição burguesa tirou vantagem do Partido Comunista Cubano. O partido inicialmente se opôs a Castro, depois, nos últimos meses da guerra, juntou-se a ele. Carlos Rafael Rodriguez, principal líder do PC e ministro “comunista” no gabinete do carniceiro Batista, subiu às colinas para falar com Castro. Hoje ele é considerado o “ideólogo” do “novo” Partido Comunista que Castro construiu em 1965 a partir de quadros do seu próprio Movimento 26 de Julho e de outros como Rodriguez do antigo PC. Pode-se dizer que o açúcar fez Batista e o açúcar o quebrou: a longa estagnação e o declínio do comércio de açúcar em Cuba no pós-guerra prepararam o cenário para eventos em que representantes de algumas das classes proprietárias de Cuba se levantaram... Levantou-se para quê? Contra a dominação dos EUA e, num primeiro momento, contra o açúcar. E depois, como veremos, pelo açúcar: rebelaram-se contra o Rei Açúcar e acabaram por se tornar seus ministros. No que diz respeito às revoluções, não foi muito. Foi mais um caso de desmoronamento do governo Batista do que de derrubada. As forças de Castro acumularam forças durante 25 meses nas montanhas. Eram homens da cidade, para quem as montanhas relativamente inacessíveis e pouco povoadas da Sierra Maestra eram um bom lugar para lutar e nada mais. No início, dependiam da ajuda dos pequenos cafeicultores das serras, mas fora isso procuravam pouca participação das grandes massas, excepto numa base individual. A tentativa de greve geral de Abril de 1958 nas cidades e planícies é hoje considerada malsucedida por muitos historiadores, porque os seus resultados foram desiguais, enquanto outros a consideram uma prova de que o povo trabalhador apoiou Castro. Na melhor das hipóteses, pode-se dizer que eram espectadores partidários. Durante a maior parte da guerra, até aos últimos meses, os rebeldes contavam apenas com algumas centenas de homens e mulheres armados. O exército de Batista nunca foi derrotado de forma decisiva em batalha. Os EUA, que ajudaram a bombardear e aplicar napalm os rebeldes, tinham coberto as suas apostas apoiando também Castro. A CIA canalizou-lhe dinheiro, embora Castro tivesse que adivinhar de onde veio.”[11] Assim que as forças de Castro entraram na cidade de Santiago de Cuba, Batista fugiu da capital, no outro extremo da ilha. Pouco depois, os EUA tornaram-se o segundo país (depois da Venezuela) a reconhecer o novo governo de Castro. O embaixador americano, conhecido como amigo próximo de Batista, foi substituído por um novo que “foi encorajado a acreditar que poderíamos estabelecer uma relação de trabalho que seria vantajosa para ambos os nossos países”. Esta era a atitude tanto de Castro como dos EUA neste momento, embora poucos dias depois de Castro ter assumido o poder, os EUA já estavam novamente a proteger as suas apostas, preparando um plano para assassinar Castro, se necessário.[12] Castro esforçou-se desde o início para garantir aos EUA que não era radical. “Em primeiro lugar e acima de tudo, lutamos para acabar com a ditadura em Cuba e para estabelecer as bases de um governo representativo genuíno. . . . Não temos planos de expropriar ou nacionalizar investimentos estrangeiros aqui”, disse ele a um repórter de uma revista popular dos EUA na Sierra.[13] Em 1959, falando em Nova Iorque, onde se apressou após a sua vitória, declarou: “Eu disse de forma clara e definitiva que não somos comunistas. . . . As portas estão abertas aos investimentos privados que contribuam para o desenvolvimento industrial de Cuba. . . . É absolutamente impossível progredirmos se não nos dermos bem com os Estados Unidos.”[14] Mas quando o governo Castro assumiu o controle de algumas das terras das maiores propriedades açucareiras, os EUA ficaram furiosos e bloquearam a ilha. A União Soviética foi compradora de açúcar cubano durante o governo Batista; agora Castro recorreu à URSS para duplicar as suas compras. “Castro terá de gravitar em torno de nós como uma limalha de ferro em relação a um íman”, teria dito Khrushchev após o seu primeiro encontro.[15] Os EUA lançaram uma invasão cobarde e inglória em Abril de 1961. À medida que os navios americanos se aproximavam das praias de Cuba, “proclamei o carácter socialista da Revolução antes das batalhas em Giron” (a Baía dos Porcos), contou Castro mais tarde.[16] Mais precisamente, Castro anunciou que seria com as armas soviéticas que Cuba se defenderia. No dia 1 de Maio, Castro, que até então era sempre fotografado usando um medalhão da Virgem, anunciou que ele e o seu regime eram “Marxistas-Leninistas”. Esta foi a primeira vez que o povo cubano ouviu algo além de anticomunismo de Castro. Castro tentou explicar-se em muitas entrevistas ao longo dos anos. Ele disse ao jornalista americano Tad Szulc que tinha planeado anunciar que Cuba era socialista no dia 1 de Maio, de modo que a invasão dos EUA só acelerou os seus planos em algumas semanas. Explicou também que, embora durante muito tempo se considerasse secretamente um marxista, só quando foi confrontado com uma invasão dos EUA é que considerou o socialismo “uma questão imediata” para Cuba. Quanto ao motivo pelo qual ele manteve isso em segredo, sua resposta foi bastante direta: “Para alcançar certas coisas, elas devem ser mantidas ocultas, (porque) proclamar o que são levantaria dificuldades grandes demais para alcançá-las no final.”[ 17] Anteriormente, durante a guerra revolucionária, Castro teria dito a outros do seu círculo, como o seu irmão Raul e Che Guevara, que eram abertamente pró-soviéticos: “Eu poderia proclamar o socialismo do pico Turquino, a montanha mais alta do Cuba, mas não há nenhuma garantia de que eu possa descer das montanhas depois.”[18] Se Castro estava a mentir quando disse que sempre se considerou um “Marxista-Leninista”, então não há muitas razões para acreditar que alguma vez se tenha tornado um. Se ele estava dizendo a verdade, o que se pode chamar de “revolução” que esconde do povo seus objetivos e ideais – uma fraude? Szulc, um dos biógrafos mais ou menos autorizados de Castro, especula que, ao final da guerra dos rebeldes, Castro já estava começando a pensar em como usar a União Soviética em benefício de Cuba, embora provavelmente não pudesse ter adivinhado qual seria o resultado. foi quando ele tentou enfrentar os EUA e a URSS. Szulc também especula que Castro deve ter tido conhecimento, então ou pouco depois, do debate soviético-chinês e da denúncia de Mao contra Khrushchev por derrubar o socialismo na URSS e por se opor à revolução em todo o resto. Em 1960, a URSS tentou sabotar a economia da China num esforço para encorajar as forças pró-soviéticas na China; no ano seguinte, a URSS trairia a luta anticolonial no Congo liderada por Patrice Lumumba. Castro devia saber com quem estava lidando. Terá ele calculado que estas circunstâncias aumentariam o preço que a URSS estaria disposta a pagar para desfrutar da luz reflectida do prestígio revolucionário de Cuba? Em retrospectiva, podemos certamente perguntar o que teria acontecido se os soviéticos não tivessem sido capazes de usar o prestígio da revolução cubana na sua batalha contra a linha política e ideológica representada por Mao Tsetung, uma batalha cujos objectivos incluíam virar as lutas revolucionárias do mundo em capital para o social-imperialismo Soviético. Cuba representou um avanço soviético fundamental nos países oprimidos, especialmente no hemisfério ocidental, até então governado exclusivamente pelos imperialistas ocidentais. Khrushchev considerou a captura de Cuba o seu maior sucesso. Diz-se que Che Guevara, muitas vezes considerado como representante da ala radical da revolução cubana, escreveu uma carta a um amigo em 1957, enquanto lutava nas Sierras, contrastando as suas opiniões com as de Castro: “Eu pertenço, por causa da minha posição ideológica. histórico, àquele grupo que acredita que a solução para os problemas do mundo está por trás da Cortina de Ferro, e entendo este movimento [Movimento 26 de Julho de Castro] como um dos muitos provocados pelo desejo da burguesia de se libertar da crise económica cadeias do imperialismo. Sempre considerarei Fidel como um autêntico líder burguês de esquerda.”[19] Mais tarde, em sua carta de despedida a Castro antes de partir para a Bolívia, onde suas tentativas de formar um exército secreto para travar guerra contra os EUA na América Latina foram interrompidos por seu assassinato a mando da CIA, Guevara escreveu a Castro: “[Minha] única falha de alguma gravidade foi não ter confiado mais em você desde os primeiros momentos na Sierra Maestra e não ter entendido com celeridade suficiente suas qualidades como líder e como revolucionário.”[20] Talvez, porém, Guevara estivesse certo sobre Castro naquela primeira vez. De qualquer forma, a essência da autocrítica de Guevara é que, a princípio, ele não compreendeu até que ponto ele e Castro acabariam por provar estar de acordo. Guevara sempre foi um defensor da URSS revisionista e continuaria a ser um oponente fanático da China revolucionária até à sua morte. Não é surpreendente que as massas cubanas não partilhassem o horror do imperialismo norte-americano perante a anunciada conversão de Castro ao “Marxismo-Leninismo”. Mas para Castro e Guevara, o termo tinha pouco significado além da oposição aos EUA. Para eles, o marxismo tinha pouco a ver com a definição de Marx da ideologia que pode guiar o proletariado revolucionário para abolir todas as classes e distinções de classe, todas as relações de produção. em que assentam e nas relações sociais e ideias que dão origem,[21] mas sim na procura de refúgio do imperialismo norte-americano no seio do imperialismo soviético. Isso tornou desnecessária, aos seus olhos, a transformação das relações económicas de Cuba e, na realidade, tornou tal transformação impossível. A estratégia militar da revolução cubana, que mais tarde tentaram confiar a outros em oposição à estratégia de Mao de guerra popular prolongada, está muito além do âmbito deste artigo e requer estudo e refutação por direito próprio.[22] A questão aqui, em termos de economia política, é que a forma como se lutou pelo poder político está ligada ao que Castro e o seu círculo procuravam realizar e ao que estavam realmente em posição de fazer quando o poder estivesse nas suas mãos. “Diz-se que os revolucionários chineses comentaram que os cubanos tinham encontrado uma bolsa caída na rua e aconselhavam outros a contar com a mesma sorte. O problema, claro, é que Castro e os seus seguidores só poderiam gastar esse dinheiro estabelecendo certas relações sociais, cujas leis existiam independentemente de quaisquer ideias subjectivas que esses homens e mulheres pudessem ter. A nossa tese não é simplesmente que Castro era um mestre do engano. Tanto antes como depois de se declarar comunista, houve uma linha consistente na sua carreira política: ele procurou aliviar o fardo imposto a Cuba pelos EUA e obter um certo tipo de desenvolvimento para Cuba. A princípio, ele esperava fazer isso com a ajuda dos EUA. Esta esperança vã e contraditória baseava-se numa perspectiva que não via outra forma prática de o fazer. Mais tarde, quando isso se revelou impossível, ele aceitou a rédea oferecida por Khrushchev (diz-se que Khrushchev chamou Castro de “um cavalo jovem que não foi domado”).[23] Durante trinta anos, Castro combinou o auto-engrandecimento pomposo com a subserviência ao imperialismo. Num certo sentido, quando Castro proclamou o seu “Marxismo-Leninismo”, não era Castro quem falava, mas açúcar: para ser mais do que erva forte, o açúcar precisa de ser vendido, e a URSS estava disposta a comprá-lo. Foi assim que o “socialismo” chegou a Cuba. King Sugar vestiu uniforme, deixou crescer a barba e fez brotar um charuto. Castro pode ter desejado uma ruptura com o sistema açucareiro imposto pelos EUA, mas não quis nem poderia romper com as relações de produção que deram ao açúcar o seu poder inelutável. A Cuba que Castro herdou Nas vésperas da revolução de Castro, em 1959, era do conhecimento geral que “sem açúcar, o país deixaria de existir”. Bem mais de um terço da produção total – 36% do PIB, para ser mais preciso – foi para exportação, e o açúcar representou 84% das exportações.[24] Estes números não revelam totalmente a sua importância, a menos que se entenda que era precisamente na produção para exportação que o capital estava mais concentrado. A indústria açucareira quase triplicou o seu consumo de fertilizantes nos cinco anos anteriores à revolução e passou a representar uma enorme percentagem da maquinaria total,[25] enquanto as raízes e tubérculos e outros alimentos que constituíam a dieta básica das massas continuaram a ser arrancado do chão com a mão. A paisagem rural de Cuba era dominada por 161 moinhos. Apenas 36 eram propriedade directa de empresas norte-americanas,[26] mas o próprio comércio de açúcar – como quase todo o comércio cubano – era dominado pelo capital americano. Pouco mais da metade das terras cultivadas foram plantadas com açúcar e grande parte das terras não cultivadas, destinadas a enormes (e relativamente improdutivas) fazendas de gado. Vinte e oito famílias, empresas e corporações controlavam mais de 83% das terras cultivadas com cana e 22,7% do total das terras.[27] Ao lado das gigantescas extensões de terra de propriedade exclusiva das usinas, havia geralmente propriedades de médio porte pertencentes ou operadas pelos colonos. O principal problema do cultivo lucrativo do açúcar é que é necessário manter disponíveis grandes quantidades de mão-de-obra para uma colheita que dura apenas alguns meses. Cerca de 100.000 homens trabalhavam a maior parte do ano nas próprias fábricas; das massas no campo, estas estavam entre as que estavam em melhor situação. Outros 400 mil homens trabalhavam de dois a quatro meses por ano cortando e carregando a cana. Na maior parte dos casos, eram negros ou “mulatos”.[28] Em 1955, o trabalhador médio nos canaviais trabalhava 64 dias a 1 dólar por dia, embora o custo da maior parte do que poderiam ter comprado numa loja não fosse muito menor. do que nos EUA naquela época. Como é que este sistema conseguiu continuar a existir, uma vez que os proprietários de terras pagavam a estes homens menos do que o custo da sua força de trabalho (o custo de mantê-los capazes de trabalhar e de criar uma nova geração de trabalhadores)? Ao contrário dos tempos da escravatura, não podiam ser substituídos tão facilmente, embora houvesse um elemento disso no afluxo contínuo de trabalhadores de outras partes das Caraíbas. Mas o sistema reproduziu-se porque a subsistência destes homens e das suas famílias era apenas parcialmente paga pelos seus salários. Assim como os proprietários de escravos concederam aos escravos pequenas parcelas para cultivarem para si próprios, de modo a reduzir o custo de alimentação (e impedir que os escravos fugissem ou incendiassem a plantação), também muitos dos que trabalhavam pois os salários, parte do ano em açúcar e outras colheitas sazonais, estavam vinculados à pequena agricultura camponesa, ou pelo menos a algumas fileiras ( conucos ) de mandioca (mandioca), batata-doce, inhame ou outros tubérculos cultivados em faixas minúsculas e estreitas nos espaços entre campos ou ao longo de estradas. Tais “privilégios” implicavam relações de obrigação pessoal para com os proprietários de terras. Estes homens levaram uma existência contraditória como semiproletários rurais, em vez de escravos assalariados propriamente ditos, pelo menos na sua maior parte. É relatado que o típico trabalhador rural em Camaguey, que era considerado um trabalhador assalariado e não um camponês nestas estatísticas, embora o seu rendimento em dinheiro fosse de apenas 118 dólares/ano, vivia de guarapo (caldo de cana-de-açúcar) e batata-doce durante nove ou dez anos. meses por ano.[29] Um inquérito realizado em Cuba em 1966, realizado por um investigador europeu que procurava compensar a falta de estatísticas pré-revolução fiáveis, revela que entre os homens amostrados, 38% daqueles que se autodenominavam “proletários agrícolas” em 1957 possuíam ou tinha uso de um terreno naquela época,[30] um número que provavelmente não inclui conucos. Estes homens e as suas famílias, as mulheres e as crianças que normalmente trabalhavam nestas terras sem serem contabilizados como trabalhadores nas estatísticas de ninguém, eram ambos prisioneiros da terra e dela negada, mantidos em cativeiro pelos latifúndios ( plantações) que não podiam absorvê-los totalmente nem permitir-lhes terra suficiente para se tornarem independentes e plenamente produtivos. A rentabilidade do modo de produção capitalista que empregava estes homens como trabalho assalariado dependia da persistência do modo de produção pré-capitalista. Naquela época também existiam quase 300 mil famílias camponesas sem rendimentos salariais, incluindo pequenos proprietários, arrendatários, meeiros e posseiros. Pelo menos 175 mil deles foram considerados minifundistas, com no máximo 67 hectares [1 hectare = 21/2 acres] e média de 15 hectares de terra; esta média em si esconde grandes informações igualdades, uma vez que alguns tinham terras suficientes para constituir família, enquanto a maioria tinha menos.[31] Foram esses camponeses que produziram a maior parte dos alimentos com que vivia o resto da população; as suas capacidades produtivas também foram acorrentadas pelos latifúndios que monopolizaram a terra e outros recursos e “pelo poder político dos latifúndios. A província de Oriente, local de nascimento de Castro no leste de Cuba, era um reduto da burguesia rural, especialmente nas planícies. Nas montanhas da Sierra Maestra, onde o exército de Castro se formou e cresceu, a maioria das pessoas trabalhava no café, normalmente como meeiros que teriam de entregar até 40% da sua colheita aos proprietários de terras, ou como posseiros de um pequeno pedaço de terra escavado em a encosta da montanha de onde poderiam ser expulsos a qualquer momento. O longo ciclo de vida das plantas de café (que levam até cinco anos para amadurecer e duram cerca de 40 anos) significava que uma expulsão, para um meeiro, um posseiro ou um camponês que pagasse aluguel em dinheiro a um proprietário de terras, seria uma catástrofe, e este fato, por sua vez, aumentou muito a autoridade dos proprietários de terras. O café é muito trabalhoso. Mas muitas vezes o trabalho do marido, da esposa e dos filhos seria suficiente durante a maior parte do ano; os filhos crescidos voltavam apenas durante os poucos meses da colheita do café, antes de voltarem às planícies para colher açúcar ou outras culturas. Muitas vezes, os seus salários eram a única esperança da família para conter as dívidas esmagadoras impostas pelos proprietários de terras ou bens (uma vez que os proprietários também controlavam o comércio), embora em alguns casos pudessem esperar usar os salários do filho para adquirir terras. ] No caso do tabaco, predominante nas colinas do outro lado da ilha, os pequenos e médios agricultores - uma mistura de proprietários, arrendatários e meeiros - geralmente de ascendência espanhola antiga e não de escravos, dependiam do trabalho não remunerado das suas famílias durante grande parte do ano. e mão de obra contratada para colher e processar as folhas.[33] Frango e arroz, considerado o prato nacional de Cuba, estava fora do alcance da maioria das pessoas no campo. Em vez disso, comeram sopa de gallo – “sopa de galo” – que na verdade é apenas açúcar não refinado e água quente. De acordo com o censo de Cuba de 1953, dois terços da população rural vivia em barracos com telhados de barro e chão de terra, cerca de 85% não tinham água corrente ou eletricidade, mais da metade não tinha sequer uma latrina (casa externa) e mais de 90% não tinha banheiro. ou chuveiros. A produção anual per capita de carne bovina de Cuba era de 32 quilogramas por pessoa, mas apenas 11% de todas as famílias rurais bebiam leite regularmente e apenas 4% comiam regularmente carne bovina.[34] Principalmente nas cidades, quase tudo foi importado dos EUA, exceto cerveja, refrigerantes e alguns alimentos. As cerca de 400 mil pessoas empregadas na indústria transformadora, tal como os seus irmãos e irmãs no campo, trabalhavam normalmente para o mercado externo, fabricando charutos, vestuário, calçado, produtos de madeira e cortiça, etc., bem como processamento de alimentos para consumo interno (que era frequentemente controlado por empresas imperialistas). Um quarto de milhão de pessoas trabalhavam no comércio; o dobro desse número estava empregado no inchado setor de serviços.[35] Isto começa a dar uma imagem da economia urbana parasitária onde as massas trabalhavam para alimentar, vestir e entreter as classes ricas e intermédias que, na sua maior parte, em última análise, dependiam da agricultura, e os norte-americanos e europeus que vieram às centenas de milhares, atraído pela degradação em que a economia deformada de Cuba obrigou o seu povo a procurar emprego. Revolução Agrária: O Caminho Não Percorrido Os escravos que se rebelaram e fugiram para as montanhas e os camponeses que lutaram contra a Espanha e a América sempre queimaram os canaviais. Eles estavam certos. Eles estavam certos não só porque tinham razão em rebelar-se e queimar os canaviais perturbava o inimigo económica e militarmente, mas também estavam certos do ponto de vista da economia política marxista. Castro também queimou alguns canaviais durante a guerra. Posteriormente, durante os primeiros anos da década de 1960, o governo revolucionário fez esforços para reduzir a dependência do açúcar e industrializar o país, através da estratégia de substituição de importações (fabricando alguns itens de consumo anteriormente importados, com a ideia de que isso permitiria a Cuba acumular o capital e capacidade técnica para fabricar posteriormente os seus próprios bens de produção). Mas parecia que Cuba não conseguia fabricar estes artigos tão barato quanto os imperialistas conseguiam vendê-los. Rapidamente, Castro decidiu replantar e expandir os canaviais.[36] Esse foi o fim do breve primeiro período da revolução. A política agrária inicial adoptada pelo governo Castro em 1959 consistia em limitar os latifúndios a um máximo de 400 hectares, distribuindo ao mesmo tempo algumas das terras desta dimensão aos camponeses mais pequenos. Esta medida favoreceu sobretudo os camponeses ricos e a burguesia rural, embora alguns meeiros e posseiros tenham obtido títulos das terras que cultivavam e alguns pequenos camponeses obtiveram terras adicionais, especialmente no sector do tabaco. Depois de 1963, quando foi tomada a decisão de voltar ao açúcar, foi imposto um limite de 67 hectares, não para distribuir ainda mais a terra aos pequenos camponeses, mas sim, na verdade, para entregá-la aos latifúndios que agora eram considerados fazendas estatais. . Mais tarde, depois de 1968, para concentrar ainda mais recursos económicos e humanos no açúcar, os trabalhadores das empresas açucareiras foram proibidos de manter as suas parcelas familiares. Eventualmente, 80% das terras foram nacionalizadas. A pesquisa de 1966 anteriormente referida deixa claro que a “reforma agrária” de Cuba trouxe poucas mudanças no campo. Cerca de quatro em cada cinco daqueles que viviam de pequenas parcelas de terra (sem depender de rendimentos substanciais provenientes de salários) antes de Castro assumir o poder ainda o faziam, com a maior parte dos restantes a tornarem-se trabalhadores assalariados em explorações agrícolas estatais; apenas um em cada 10 daqueles que viviam principalmente de salários e um em cada seis daqueles que viviam de ambos os salários e das suas próprias terras adquiriram terra suficiente para viver e na maior parte também foram adicionados à força de trabalho nas fazendas estatais.[37]) Em outras palavras, aqueles que tinham mais propriedades obtiveram mais, enquanto aqueles que tinham menos as perderam. Por que a terra não foi dividida entre todos os escravizados pelo sistema de latifúndios? A explicação do próprio Castro é reveladora. “Descobri com a vitória da Revolução que a ideia de divisão de terras ainda tinha muito valor. Mas eu já entendia que se você pegar, por exemplo, uma plantação de açúcar de 2.500 hectares. . . e você divide em 200 porções de 12,5 hectares cada, o que inevitavelmente acontece é que logo os novos proprietários vão cortar pela metade a produção de cana-de-açúcar em cada talhão, e vão começar a cultivar para consumo próprio toda uma série de culturas para os quais em muitos casos o solo não será adequado.”[38] Por outras palavras, a decisão de continuar a basear a economia de Cuba na cana-de-açúcar e a decisão de não dividir a terra andavam juntas nas mentes de Castro e dos seus seguidores, bem como objetivamente. A terra não foi parcelada porque isso seria ruim para o açúcar; a cana-de-açúcar teve de ser cultivada porque era a cultura mais adequada para grandes fazendas estatais administradas burocraticamente. O desenvolvimento integral da economia de Cuba e a alimentação do povo cubano nada tiveram a ver com isso. Também não se tratava de levar a cabo a linha de massas, isto é, de unir-se e dar liderança aos desejos avançados das massas exploradas, que estavam muito mais de acordo com o que Cuba realmente precisava para a sua libertação do que as ideias de Castro. O agrônomo francês René Dumont, chamado a Cuba como conselheiro de Castro em 1960, relata uma conversa com Castro enquanto o acompanhava em um passeio pelo interior de Cuba durante o período em que se discutia a questão do que fazer com os latifúndios nas fileiras do [novo regime: “O meu conselho foi [pedido, mas não o dos trabalhadores e camponeses que iriam trabalhar nestas empresas. Fui até proibido de discutir o assunto com eles. “Estas pessoas são analfabetas e as suas ideias são geralmente bastante conservadoras”, disseram-me. 'É nosso trabalho liderá-los.'”[39] Esta “liderança” consistiu em Castro e o seu círculo simplesmente tomarem para si os latifúndios, com o pretexto de que a extensão do trabalho assalariado no campo permitiu a Cuba saltar a fase da revolução agrária e ir directamente para o “socialismo”, transformando os latifúndios em empresas estatais. Argumentavam que os latifúndios tinham de ser mantidos intactos e até expandidos porque a produção em grande escala era a forma mais rentável de produzir açúcar, e o açúcar era a coisa mais rentável de produzir. Tanto os economistas capitalistas como os revisionistas consideram que Cuba desfruta de uma “vantagem comparativa” no açúcar, uma vez que os resultados (expressos em dinheiro) de uma determinada quantidade de capital aplicada a uma determinada quantidade de terra são mais elevados para o açúcar do que, por exemplo, para o arroz. , ou para qualquer outra aplicação de capital imediatamente disponível para Cuba. Esta teoria, formulada pela primeira vez por Ricardo no século XIX, e mais tarde declarada “socialista” pelos revisionistas Soviéticos para justificar o seu conceito de “divisão internacional do trabalho”, sustenta que um país deve concentrar-se em produzir tudo o que produz de forma mais barata e importar todo o resto, não importa se isso resulta em baixa rentabilidade ou mesmo em perdas, o que aparentemente era o caso da maioria das explorações agrícolas estatais cubanas em meados da década de 1980.[40] Isto é uma expressão da lógica capitalista da rentabilidade, e não da necessidade do proletariado revolucionário de transformar toda a sociedade e o mundo, e vai completamente contra a teoria e a prática da construção de economias socialistas genuínas, primeiro sob Lenine e Estaline na URSS e especialmente O caminho de Mao para construir uma economia socialista autossuficiente. Os trabalhadores têm todo o interesse – na verdade, muito mais do que os exploradores – em diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário envolvido na produção, e isto pode ser promovido pela mecanização e pela tecnologia, bem como pela contabilidade rigorosa dos custos expressos em dinheiro. Mas ainda assim, isto deve servir – e estar subordinado – à missão do proletariado de “emancipar-se a si mesmo e a toda a humanidade”. Além disso, esta lógica de rentabilidade funciona de forma particular nas nações oprimidas, aquelas “formações subordinadas nas relações de produção do imperialismo” cuja estrutura económica “é moldada principalmente por forças externas a elas: o que é produzido, exportado e importado, financiado, etc., reflecte antes de tudo a sua subordinação e não principalmente as necessidades internas e as inter-relações dos diferentes sectores. Eles respondem às 'batidas cardíacas' de outra pessoa.”[41] Transformar as propriedades açucareiras em empresas estatais foi uma lógica compradora. Em vez de revolucionar as relações de produção, tanto internamente (em termos de relações de produção em Cuba) como externamente (em termos da relação de Cuba com o sistema imperialista mundial), esta medida procurou preservá-las (e permitir a sua evolução até certo ponto). . Do ponto de vista dos preços e das matérias-primas, pode ser mais vantajoso cultivar açúcar em Cuba, mas do ponto de vista da libertação do país, o desenvolvimento económico teve de basear-se no desenvolvimento global da agricultura, mesmo que, por Por exemplo, inicialmente poderia ser menos rentável produzir arroz em Cuba do que importá-lo, como Castro insistiu num discurso justificando a destruição de campos de arroz para expandir a produção de açúcar e a ruptura de um acordo de ajuda chinês destinado a ajudar Cuba tornar-se autossuficiente em arroz.[42] Em primeiro lugar, a própria existência dos latifúndios e a predominância do açúcar na agricultura só serão possíveis enquanto Cuba estiver subordinada ao mercado mundial. As relações de produção dominantes de Cuba, tomadas internamente, isto é, aquelas incorporadas na produção moderna de açúcar em grande escala, foram criadas e dependentes das relações de produção de Cuba tomadas externamente. Esta subordinação de Cuba ao mercado mundial é uma relação de produção e, sem quebrá-la, não poderia haver libertação das forças produtivas globais em Cuba, especialmente da força produtiva representada pelos próprios trabalhadores, cuja capacidade de transformar Cuba e muitas vezes até de transformar Cuba o trabalho foi paralisado pela organização internacional de produção existente. Quanto mais o capitalismo se desenvolveu no açúcar, mais o resto da economia se tornou extrovertido, isto é, mais os seus vários sectores tenderam a ficar ligados ao capital estrangeiro em vez de uns aos outros. Quanto mais a terra, o trabalho e outros recursos se concentravam no açúcar, mais estes eram negados a outros sectores da economia de Cuba, especialmente o cultivo de alimentos para consumo interno, e mais, portanto, o país tinha de importar, numa situação cada vez mais viciosa. ciclo. Os próprios factores de produção dos quais a indústria açucareira dependia – produtos químicos, maquinaria, bens de transporte, etc. – eram eles próprios importados. Em contraste com os países imperialistas, onde o capitalismo surgiu com base num mercado nacional unificado e no desenvolvimento articulado da agricultura e da indústria, a onda do capitalismo em Cuba tendeu a desarticular a sua economia. Esta desarticulação surgiu e aprofundou a dependência de Cuba, mas também constituiu uma relação de produção e um obstáculo para o povo trabalhador de Cuba. Em segundo lugar, o investimento imperialista acelerou o desenvolvimento do capitalismo no açúcar, mas o seu efeito global foi contraditório. O desenvolvimento da indústria da cana-de-açúcar e, em menor grau, da indústria do tabaco, trouxeram um elevado grau de capitalismo em alguns aspectos (incluindo a escravatura assalariada generalizada) para Cuba, tornando-a uma das mais avançadas da América Latina em 1959 em termos de produção per capita medida em dinheiro.[43] Mas, ao mesmo tempo, a sua rentabilidade residia na preservação de muitos vestígios atrasados ​​da escravatura e do semifeudalismo. Tal como Lenine assinalou no seu estudo sobre o desenvolvimento do capitalismo na agricultura, as maiores propriedades muitas vezes não são as mais avançadas em termos de agricultura intensiva em capital e eficiência.[44] Um levantamento da quantidade de terra cultivada em fazendas de vários tamanhos em Cuba antes da revolução de Castro ilustra um aspecto disso, pois em geral, quanto maior a fazenda, menor a porcentagem de sua área cultivada,[45] embora muitas vezes as fazendas menores ficavam nas encostas e as maiores nas planícies. Isto tinha a ver com o facto de os latifúndios, para serem rentáveis, terem de monopolizar a terra, negando terras aos camponeses não só para que permanecessem nas mãos dos latifundiários, mas também para que os camponeses fossem forçados a trabalhar para os latifundiários, mesmo que o latifundista possa não ter capital para usar a terra para mais do que pastagens neste momento. Embora os grandes latifúndios açucareiros fossem capitalistas em alguns aspectos importantes, não eram os sectores mais avançados da agricultura cubana, mesmo em termos capitalistas, e usaram todo o seu poder económico e político para manter o sistema atrasado de minifúndios e conucos de pequena escala e subordinar todas as outras produções. Em suma, era verdade, como afirmam Castro e os seus apologistas, que a capitalização da produção de açúcar estava a conduzir à proletarização da população rural e ao desenvolvimento do capitalismo. Mas este é apenas um lado da questão. O tipo de capitalismo que representava era o desenvolvimento capitalista ligado à preservação de modos de exploração mais atrasados, subordinados ao capital estrangeiro e, portanto, impedindo o desenvolvimento global e harmonioso das forças produtivas. As relações de produção incorporadas na predominância da cana-de-açúcar – dependência, desarticulação e atraso contínuo – constituíam correntes no povo trabalhador de Cuba que não podiam ser quebradas, excepto através do desenraizamento do açúcar. O açúcar tornou-se um alvo tanto dos aspectos democráticos como nacionais da revolução. Mas para Castro e os seus seguidores, confiar no açúcar e nas relações de produção existentes eram duas faces da mesma moeda, a moeda com a qual o imperialismo os comprou. Como mostram as citações de Castro com tanta eloquência, a escolha que se apresentou foi: cultivar cana-de-açúcar ou dividir a terra. Do ponto de vista da libertação de Cuba, o sector da economia onde parecia que o nível das forças produtivas estava mais avançado – a cana-de-açúcar – era o mais | prejudicial ao desenvolvimento independente e global da economia da ilha e, na verdade, travou o desenvolvimento económico potencial do país. Do mesmo ponto de vista, o sector mais atrasado das forças produtivas – a pequena economia camponesa – apresentava algumas vantagens económicas potenciais vitais, uma vez que incluía tanto culturas de exportação menos dependentes do capital imperialista como, mais importante ainda, os meios para alimentar o povo. e a única base para o desenvolvimento de uma economia independente, uma vez destruídas todas as relações de produção existentes. As culturas alimentares típicas de Cuba, as raízes e os tubérculos, o arroz e o feijão, são muito mais intensivas em mão-de-obra e requerem menos factores de produção do que a cana-de-açúcar. No actual nível de desenvolvimento das forças produtivas em Cuba (ou na maioria dos lugares do mundo), algumas destas culturas não são tão facilmente mecanizadas como outras, como o açúcar, que são mais receptivos a empresas de grande escala, altamente centralizadas e geridas burocraticamente. . Tais culturas só podem ser cultivadas com sucesso contando com o conhecimento e a iniciativa daqueles que nelas trabalham. Isto não significa consagrar permanentemente a propriedade individual na agricultura, nem impedir a obtenção de vários níveis de coletivização a um ritmo rápido e um avanço igualmente rápido no nível das forças produtivas. Desmembrar os latifúndios, queimar os canaviais (e assim limpar e preparar a terra para novas culturas) e permitir que muitas pessoas engajadas como trabalhadores agrícolas regressassem à agricultura de pequena escala e às terras das quais não tinham sido definitivamente separadas, seria, é verdade, exigiram passar por uma fase de produção em pequena escala e abriram caminho para um certo desenvolvimento capitalista na agricultura. Mas esta destruição do antigo sistema também teria aberto ainda mais a porta ao socialismo, como tais medidas fizeram na China, porque teria fornecido a base económica e política para a coletivização e o desenvolvimento socialista do país.[46] A questão chave é em quem confiar. Na China, onde o grau de trabalho assalariado no campo era muito inferior ao de Cuba, foi possível contar com os mais explorados do campo, os camponeses pobres e sem terra, para destruir as antigas relações de produção, emancipar as forças produtivas (especialmente eles próprios) e continuam a revolucionar as relações de produção ao longo das revoluções nacional-democráticas e socialistas. Embora um grande número de forças no campo cubano retidas pelos latifúndios devam ser consideradas camponeses ricos e agricultores capitalistas que teriam resistido a uma futura transição para o socialismo em vários graus, havia um número muito maior de camponeses pobres e sem terra, bem como de proletários. cujo interesse estava na revolução mais completa. Estas pessoas não foram despertadas, organizadas e não mereceram confiança, nem na guerra revolucionária nem na construção económica do país. Em vez disso, Cuba tem dependido de maquinaria e outros factores importados e dependentes de importação, de agrónomos e economistas do bloco soviético e dos revisionistas cubanos que eles treinaram, e geralmente agiu como se a produção em grande escala, um elevado nível de mecanização e propriedade estatal fossem em si revolucionários. Para justificar o caminho que tomaram, os ideólogos da revolução cubana sublinham frequentemente as diferenças materiais entre Cuba e a China de Mao Tsetung. As diferenças são certamente grandes e importantes, mas as semelhanças são ainda mais. Embora Cuba não tivesse a mesma história de feudalismo que a China, ainda assim a própria organização do capitalismo em Cuba baseava-se, em certa medida, na persistência de relações que surgiram através de modos de produção pré-capitalistas. Em segundo lugar, o argumento de Mao de que o crescimento do capitalismo na China não foi o desenvolvimento do capital chinês, mas do capital estrangeiro na China[47], é igualmente verdadeiro em Cuba, mesmo que este capitalismo fosse mais desenvolvido do que na China. Mao disse sobre a China: “A classe dos proprietários de terras e a classe dos compradores são apêndices da burguesia internacional, dependendo do imperialismo para a sua sobrevivência e crescimento.”[48] Em Cuba, onde a economia natural (localmente auto-suficiente) era mais fraca do que em Cuba A China e a produção de mercadorias (produção para venda) eram muito maiores, os latifundiários e também a grande burguesia da indústria, fosse ela de propriedade cubana ou estrangeira, eram ainda mais dependentes da constante transformação do capital em mercadorias (açúcar) e das mercadorias em capital. (salários e insumos físicos) através do funcionamento dos circuitos internacionais de capital. Neste sentido, o sector açucareiro capitalistamente desenvolvido é o ponto através do qual a economia de Cuba está mais ligada ao imperialismo, um “apêndice da burguesia internacional” e não um factor de desenvolvimento económico independente. Além disso, o nível das forças produtivas nas áreas da agricultura que um governo revolucionário consideraria mais importantes – o cultivo de culturas alimentares – era muito baixo e precisava de ser dada a primeira prioridade, à custa do desmantelamento de algumas das coisas que parecia tornar Cuba “avançada” e realocar os recursos. A experiência cubana de tentar evitar a revolução agrária mostra a correcção e a aplicabilidade básica da linha de Mao da nova revolução democrática, mesmo em países muito mais desenvolvidos do que a China. De um modo geral, nos países oprimidos a revolução assumirá a forma de uma guerra popular prolongada, ela própria ligada à realização da revolução agrária e à construção de bases revolucionárias onde os camponeses exercem o poder político revolucionário sob a liderança do partido proletário. Em Cuba, embora a luta armada de Castro tenha ocorrido no campo, onde vivia a esmagadora maioria da população, as montanhas da Sierra Maestra eram um teatro em que os actores urbanos representavam o seu próprio drama com um elenco de apoio local bastante secundário. Os trabalhadores das planícies, e também das cidades, poderiam, na melhor das hipóteses, ser considerados figurantes no roteiro de Castro – e sem uma guerra popular prolongada liderada pelo proletariado no campo, o que lhes restava fazer? Embora se pudesse considerar as forças de Castro como “sortudas” na sua vitória repentina e relativamente barata sobre o governo de Batista, a situação apresentava certas desvantagens do ponto de vista de levar a cabo qualquer verdadeira transformação económica, social e política revolucionária do país: a grande maioria dos oprimidos não foram despertados, armados, organizados e treinados política e ideologicamente. É claro que, para as forças de Castro, este método de tomada do poder era inteiramente apropriado ao que iriam fazer com o poder depois de este ter sido tomado. Para Mao, o ponto crucial da revolução nacional-democrática foi a revolução agrária guiada pela política de “terra para quem cultiva”. Os cubanos sempre elogiaram a sua política de nacionalização dos latifúndios como mais revolucionária do que a política chinesa de distribuição da terra, porque, alegaram os cubanos, foram assim capazes de eliminar a maior parte da propriedade privada de uma só vez, ao passo que mesmo várias décadas após a revolução na China de Mao, a propriedade da agricultura ainda não tinha avançado além do nível de propriedade dos colectivos camponeses, em termos do objectivo a longo prazo de transição gradual para a propriedade estatal. Mas de que outra forma, excepto se todos os mais explorados e oprimidos se apoderassem dos campos onde trabalhavam como escravos, poderiam libertar-se e ajudar a libertar o país das relações de produção semifeudais e dependentes do imperialismo e de outras relações reaccionárias que surgiram nessa base? De que outra forma poderiam surgir as condições políticas e económicas para o socialismo? Na China, a apreensão e distribuição de terras ocorreu primeiro por etapas e por vezes de forma modificada, nas áreas de base vermelha formadas com base no poder político armado dos camponeses sob a liderança do Partido Comunista. Depois que o poder do Estado foi tomado em todo o país, seguindo a linha de Mao, uma enorme tempestade camponesa foi desencadeada no campo e os comités de camponeses distribuíram terras individualmente e em partes iguais a cada alma camponesa, incluindo mulheres e crianças, e incluindo os camponeses sem terra e os trabalhadores rurais assalariados. bem como os pequenos camponeses. Isto foi feito para libertar completamente as forças produtivas das algemas dos proprietários de terras e atingir todas as sobrevivências feudais na superestrutura, incluindo o governo patriarcal, a dominação da família pelo “chefe de família” masculino [49] (que foi cuidadosamente preservado nos casos em que as terras foram distribuídas em Cuba). Assim, na China, a revolução agrária foi indispensável para alcançar as condições objectivas e subjectivas para o socialismo. Como os camponeses chineses estabeleceram o seu domínio no campo, sob a liderança do partido proletário, puderam embarcar num processo rápido, embora passo a passo, de aumento do seu nível de trabalho colectivo e de propriedade colectiva, mesmo antes de uma taxa muito elevada da mecanização foi alcançada. Tal como Mao sublinhou, tais políticas permitiram ao proletariado formar uma aliança estreita com o campesinato, apoiar-se sobretudo nos camponeses pobres e liderá-los na luta contra os representantes da velha sociedade, tanto antes como depois de o proletariado tomar o poder. O conceito de Nova Democracia de Mao foi o método teórico e prático pelo qual a China atrasada foi capaz de preparar as condições para a sua revolução socialista avançada. E quanto às terras agrícolas que Cuba não nacionalizou e às cooperativas agrícolas que formou? Para muitos camponeses, as cooperativas introduzidas pelo governo cubano eram simplesmente um método pelo qual as suas terras lhes eram tiradas, uma vez que tinham pouco a dizer sobre o assunto quando estas eram absorvidas pelas explorações agrícolas estatais, e algumas destas terras iam para a cana-de-açúcar. . Além disso, durante quase duas décadas houve poucas tentativas de conduzir os proprietários privados de terras, através da coletivização, a níveis mais elevados de propriedade (o que teria sido impossível de qualquer maneira, sem depender daqueles que foram mais explorados no campo, em vez daqueles que muitas vezes tiveram um pouco mais de propriedade). Em vez disso, houve uma certa polarização típica do desenvolvimento capitalista na agricultura, com os agricultores privados a tenderem a tornar-se menos numerosos e mais ricos, enquanto outros entre eles eram transformados em escravos assalariados. Não se pode dizer que o aumento do número de cooperativas na última década represente um avanço em termos de relações de produção, uma vez que a sua organização e objectivos como unidades económicas não visam criar “agricultores socialistas”, como costumavam dizer em A China, mas o capitalismo de pequena escala que entra em vários graus de harmonia e conflito com os interesses dos capitalistas de Estado burocratas-compradores de Cuba. Na última década, a agricultura familiar e as cooperativas persistiram e, de facto, desempenharam um papel cada vez mais importante na agricultura cubana. São especialmente vitais na produção de café, que, especialmente em Cuba, não se presta a métodos intensivos em capital. Eles dominam o cultivo do tabaco, que não poderia ser cultivado com lucro se a propriedade privada não obrigasse ao trabalho não remunerado dos membros da família, especialmente das esposas.[50] Há também vários camponeses privados envolvidos na criação de culturas alimentares e de gado (como porcos). Até meados da década de 1970, o governo cubano manteve bastante baixos os preços pagos aos agricultores do sector privado pelas suas colheitas e as rendas que lhes eram pagas pelas terras adquiridas pelas explorações açucareiras, a fim de forçar estas famílias a enviar membros para trabalhar na agricultura. grandes latifúndios, tal como antes da revolução de Castro.[51] Estas políticas foram modificadas à medida que a mecanização do açúcar diminuiu um pouco a necessidade desse trabalho, mas em 1986, confrontado com uma menor disponibilidade de insumos agrícolas devido a uma crise de moeda forte, o governo cubano lançou mais uma “ofensiva revolucionária” que levou à abolição dos mercados privados populares, onde os agricultores do sector privado recebiam preços mais elevados do que os estabelecidos pelo governo pelos seus produtos e outros géneros alimentícios. O objectivo, claro, era redirecionar recursos para o açúcar, em detrimento do desenvolvimento da agricultura alimentar. Este é um exemplo de capitalismo local que se desenvolve cercado e subordinado ao capital estrangeiro através do intermediário desse capital, as plantações de açúcar estatais. Tem sido argumentado por pessoas determinadas a ver algo de bom em Castro que, pelo menos, Cuba eliminou os resquícios do feudalismo. Mas mesmo este julgamento seria unilateral. Na sua análise dos diferentes caminhos do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, Lenin descreveu o que chamou de estrada prussiana, na qual o capitalismo se desenvolve na agricultura com base na manutenção das antigas propriedades e na conversão dos proprietários de terras em capitalistas rurais, o que dificulta a maior parte desenvolvimento económico profundo da agricultura.[52] A agricultura de Cuba desenvolveu-se, como veremos, no sentido de se tornar mais mecanizada, mas tanto o seu ritmo como o seu desenvolvimento qualitativo foram atrofiados em comparação com o que uma nova revolução democrática que conduzisse a uma verdadeira revolução socialista teria tornado possível. Há um certo odor prussiano de remanescentes feudais no ar acima das fazendas estatais de Cuba, onde os administradores do governo agora sentam-se nas cadeiras outrora ocupadas pelos proprietários de terras, e onde houve pouca mudança nas outras relações sociais herdadas da escravidão e do semifeudalismo (incluindo as relações entre brancos e negros, entre homens e mulheres e entre as diversas classes). A apropriação dos latifúndios e dos engenhos pelo governo de Castro não trouxe muito mais mudanças nestas relações do que ocorreu na República Dominicana, quando o governo também assumiu o controle de muitos dos latifúndios de cana-de-açúcar e da maioria dos engenhos. Na Cuba de Castro, a maior parte da população trabalhadora rural foi socializada no sentido de que o capitalismo socializa as massas, separando-as das suas terras e transformando-as em escravos assalariados, mas a propriedade dos meios de produção apenas foi nacionalizada (assumida pelos governo) e não socializado (assumido pela sociedade como um todo). A terra, os moinhos e tudo o mais permanecem em mãos hostis aos interesses das massas, um governo que expropria o excedente produzido pela população trabalhadora de Cuba para entregá-lo aos verdadeiros proprietários de Cuba: o capital imperialista. Não houve nenhuma revolução nas relações de propriedade nestes termos. O desenvolvimento das forças produtivas em Cuba apresenta vantagens, bem como desvantagens, para a revolução naquele país, mas em si não significa a emancipação dos trabalhadores, tal como não aconteceu quando os escravos começaram a ser transformados em escravos assalariados pela o surgimento do capitalismo nas usinas de açúcar cubanas no final do século XIX, nem aproxima a emancipação do próprio país. (continua na parte 2 deste artigo) Notas 1. Cristobal Kay, “Economic Reforms and Collectivisation in Cuban Agriculture”, Third World Quarterly (Londres), Julho de 1988. 2. “Cuba Admits the Thin Edge of a Capitalist Wedge”, Guardian Weekly Edition (Londres), 19 de Fevereiro de 1989. 3. Ibidem. 4. Relatório Nacional da Economist Intelligence Unit: Cuba, No. 41988 (Londres), p. 13. 5. Comunicado da reunião do Politbureau citado em Latin America Weekly Report on the Caribbean (Londres), 3 de novembro de 1988. 6. “La Nouvelle Solitude de M. Fidel Castro”, Le Monde Diplomatique (Paris), abril de 1989. 7. Relatórios Regionais da América Latina: Caribe (Londres), 19 de janeiro de 1989. 8. Hugh Thomas, Cuba, ou a Busca da Liberdade (Londres: Eyre e Spottiswoode, 1971), pp. 9. Peter Marshall, Cuba Libre (Londres: Victor Gollancz, 1987), p. 20. 10. Ver o “Programa Manifesto do Movimento 26 de Julho” de Castro, em Rolando E. Bonachea e Nelson P. Valdes, editores, Cuba in Revolution (Nova Iorque: Anchor, 1972). 11. Tad Szulc, Fidel Castro: Um Retrato Crítico (Hodder e Stoughten: Hutchison Ltd, 1987), p. 469. 12. Ibidem, pág. 529. 13. Ibidem, pág. 474. 14. Ibidem, pág. 554. 15. Ibidem, pág. 580. 16. Ibidem, pág. 606 17. Ibidem, pág. 338. 18. Ibidem, pág. 520. 19. Guevara para René Ramos Latour, citado em Carlos Franqui, Fidel: A Family Portrait (Londres: Cape, 1984), Apêndice, p. 248. 20. Szulc, pág. 662. 21. Karl Marx, “As Lutas de Classes na França, 1848-1850”, em Marx e Frederick Engels, Obras Selecionadas (Moscou: Progress Publishers, 1965), Vol. 1, pág. 282. 22. Ver Lenny Wolf, “Guevara, Debray and Armed Revisionism”, Revolution (Chicago), Inverno/Primavera de 1985. 23. Szulc, pág. 583. 24. Carmelo Mesa-Lago, A Economia da Cuba Socialista (University of New Mexico Press: 1981), p. 8. 25. Susan Schroder, Cuba: Um Manual de Estatísticas Históricas (Boston: GK Hall, 1982), p. 243. 26. Ibidem, pág. 257. 27. Francisco López Segrera, Cuba: Capitalismo Dependiente y Subdesarrollo (1510–1959) (Havana: Casa de las Américas, 1972), p. 366. 28. Marcos Winocur, Las Closes Olvidadas de la Revolucion Cubana (Barcelona: Grijalbo, 1979), p. 74. 29. Ibid., pág. 121. Ver também López Segrera, p. 379. 30. Brian H. Pollitt, “Rumo à Transformação Socialista da Agricultura Cubana”, em PI Gomes, editor, Desenvolvimento Rural no Caribe (Londres: C. Hurst and Company, 1985), p. 163. 31. Ver Pollitt, pp. 156-161.1 ajustei estes números